No seguimento do post do passado
dia 28 de Fevereiro, venho agora abordar com um pouco mais de detalhe o único
anquilossauro português conhecido, o Dracopelta zbyszewskii Galton 1980. Este dinossauro tem uma história interessante
e até algo confusa, começando desde logo pela sua proveniência, como veremos
adiante.
Em 1980, o paleontólogo britânico Peter
Galton, durante uma visita aos Serviços Geológicos de Portugal, é
recebido por Georges Zbyszewskii, geólogo francês de origem russa estabelecido
em Portugal, responsável pela cartografia geológica de Portugal e um dos mais
prolíficos geólogos e paleontólogos do século XX em Portugal, que o encoraja a
estudar, entre outros, fósseis de um dinossauro couraçado que se encontravam nas
colecções dos Serviços Geológicos (actualmente o Laboratório Nacional de
Energia e Geologia), que seria baptizado nesse mesmo ano como Dracopelta
zbyszewskii. O nome científico é uma composição de “draco", do Latim "dragão", "pelta",
do Latim "escudo", alusivo um pequeno escudo utilizado por soldados
da Grécia Antiga, e "zbyszewskii",
em homenagem a Georges Zbyszewskii, que foi também o responsável pela escavação,
recolha e preparação do espécime (Galton, 1980; Pereda-Superbiola et al.,
2005).
Peter Galton. Fonte: Octávio Mateus. |
Georges Zbyszewski. Fonte: LNEG. |
Apesar
de descrito em 1980, o espécime foi descoberto, segundo Pereda-Superbiola et
al. (2005), algures entre o fim de 1963 e o início de 1964, durante a
construção de uma estrada, próximo de Ribamar (Galton, 1980). Na verdade, a descoberta terá ocorrido uns anos antes, por volta de 1958/59, já que, segundo Manupella (Mateus, 2005, verbatim Junho de 2002), em 1962 o espécime já estaria a ser preparado. No entanto, a
localização exacta da descoberta foi alvo de debate durante décadas. Isto deveu-se
ao facto de existirem duas povoações denominadas Ribamar na Região Oeste, separadas
por cerca de 25 quilómetros, uma no concelho de Mafra e outra no concelho da
Lourinhã. A descrição inicial de Galton identifica a localização de proveniência
do espécime (designada como localidade tipo) apenas como Ribamar na Costa Oeste,
de rochas do Kimmeridgiano (Jurássico Superior). Apenas em 2005, com o trabalho
de Pereda-Superbiola et al., é clarificada a localização precisa, como
sendo perto da Praia do Sul, Assenta, Torres Vedras, e, como tal, mais
próxima de Ribamar da Ericeira, Mafra, contrariamente ao que era assumido por
Galton, que apontava Ribamar da Lourinhã, mais a Norte, como a localização do
espécime. Uma das razões para esta confusão é a presença das mesmas rochas em
ambos os locais, especificamente rochas da Formação da Lourinhã, com cerca de
150 milhões de anos. Recentemente, com trabalho de reconhecimento no terreno e tendo por base a informação já conhecida, foi possível redescobrir e revisitar a localidade original do espécime, hoje limitada a um pequeno afloramento na beira de uma estrada na zona da Assenta, Torres Vedras.
Mapa geológico regional com a localização do holótipo do D. zbyszewskii (Pereda-Superbiola et al., 2005). |
Até recentemente (ver post), o
holótipo (espécime de referência para uma dada espécie) de D. zbyszewskii era o anquilossauro mais completo da Europa
para o Jurássico. Consiste num tórax parcial e articulado, composto
por 13 vértebras dorsais e costelas associadas, bem como armadura dérmica ou
osteodermes (Galton, 1980). A anatomia das vértebras e das costelas e
principalmente a presença de 5 tipos diferentes de osteodermes (desde pequenas placas
isoladas do tamanho de uma moeda a grandes placas laterais semi-triangulares)
ao longo do tórax foram caracteres suficientes para concluir de que se tratava de um dinossauro novo
até então desconhecido em Portugal e a classificação como um anquilossauro, um
grupo cujo membro mais conhecido é o Ankylosaurus, do Cretácico Superior
da América do Norte, caracterizado por uma armadura óssea que cobria todo o
corpo e pela presença de uma maça na ponta da cauda.
Holótipo de Dracopelta zbyzewskii em exposição no Museu Geológico, em Lisboa. Foto: João Russo. |
Em 2005, material adicional é descrito,
desta vez um autopódio incompleto, isto é, a extremidade de um
membro, com três dedos (II, III e IV) e três metapódios (correspondente a
metacarpos ou metatarsos). Estes autores identificaram este material como uma
possível mão direita, com base no número e anatomia das falanges presentes nos
dedos, e confirmam o diagnóstico de Galton, 25 anos antes.
Autopódio de D. zbyszewskii (possível mão direita), em vista ventral. Da esquerda para a direita: dígitos II, III, e IV. Modificado de Pereda-Superbiola et al., 2005. |
O aspecto mais fascinante e ao mesmo
tempo mais desafiante deste dinossauro é a sua classificação taxonómica incerta
e o seu posicionamento filogenético problemático relativamente a outros
anquilossauros. Diversos autores consideraram-no ou como um nodosaurídeo (Nodosauridae
é um dos principais ramos de anquilossauros, sem maça na cauda) (Galton, 1980,
1983; Vickaryous et al., 2004), como um polacantídeo incertae
sedis, isto é, um polacantídeo de posicionamento incerto (Polacanthidae é
um hipotético agrupamento de anquilossauros, adicionalmente aos consensuais
Nodosauridae e Ankylosauridae; esta temática será
abordada num post futuro), um Ankylosauria incertae sedis (Vickaryous
et al., 2004; Pereda-Superbiola et al., 2005) ou mesmo nomen
dubium, ou seja, o próprio nome científico é de atribuição duvidosa e, como
tal, posto em causa (Carpenter, 2001).
Este problema filogenético levanta questões
também do ponto de vista evolutivo, desconhecendo-se a relação com os
anquilossauros mais derivados que prosperaram durante o Cretácico e entre as
formas mais basais do grupo. O estudo detalhado em curso deste dinossauro, e de um novo esqueleto, mais completo e articulado, certamente ajudará a responder a estas
questões e clarificar a evolução dos anquilossauros
Carpenter, K.,
Miles, C., and K. Cloward. 1998. Skull of a Jurassic ankylosaur (Dinosauria).
Nature, 393: 782-783. https://www.nature.com/articles/31684
Carpenter, K.
2001. Phylogenetic analysis of the Ankylosauria; 455-483 in K. Carpenter (Ed.),
The Armored Dinosaurs; Indiana University Press, Bloomington &
Indianapolis, USA.
Galton, P. M.
1980. Partial skeleton of Dracopelta zbyszewskii n. gen. and n. sp., an
ankylosaurian dinosaur from the Upper Jurassic of Portugal. Geobios 13:
825-837. https://doi.org/10.1016/S0016-6995(80)80081-7
Galton, P. M.
1983. Armored dinosaurs (Ornitischia: Ankylosauria) from the Middle and Upper
Jurassic of Europe. Palaeontographica A, 182: 1-25.
Kirkland, J. I.,
and K. Carpenter. 1994. North America's first pre-Cretaceous ankylosaur
(Dinosauria) from the Upper Jurassic Morrison Formation of Western Colorado.
Brigham Young University Geology Studies, 40: 25-42. http://www.dinochecker.com/papers/Mymoorapelta-north-americas-first-pre-cretaceous-ankylosaur_Kirkland_et_al_1994.pdf
Pereda-Superbiola,
X., Dantas, P., Galton, P. M., and J. L. Sanz. 2005. Autopodium of the holotype of Dracopelta
zbyszewskii (Dinosauria, Ankylosauria) and its type horizon and locality
(Upper Jurassic: Tithonian, western Portugal). Neues Jahrbuch für
Geologie und Paläontologie-Abhandlungen, 235(2): 175-196. https://www.schweizerbart.de/papers/njgpa/detail/235/82943/Autopodium_of_the_holotype_of_Dracopelta_zbyszewskii_Dinosauria_Ankylosauria_and_its_type_horizon_and_locality_Upper_Jurassic_Tithonian_western_Portugal
Vickaryous, M.
K., Maryańska, T., & Weishampel, D. B. 2004. Ankylosauria. In: Weishampel,
D. B., Dodson, P., & Osmólska, H., (eds.). The Dinosauria (Second Edition).
University of California Press: Berkeley, 363-392.
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