terça-feira, agosto 31, 2004

ENTREVISTA

Entrevista a Octávio Mateus conduzida por Joana Leal do portal CienciaPt.net em Agosto 2004


Para começar, gostaria de saber como vai o Museu da Lourinhã. - A esta altura já estará com uma 'cara nova'...

O Museu da Lourinhã foi recentemente remodelado e ampliado. Actualmente tem uma galeria inteiramente dedicada à Paleontologia e aos dinossauros, e finalmente com espaço para expormos alguns dos achados mais interessantes e réplicas de esqueletos inteiros.

Têm feito novos achados?
Sim, sempre! A área da Lourinhã é a mais rica para dinossauros do Jurássico Superior na Europa. Encontraríamos novos fósseis se fossemos para o campo todos os dias. Contudo é necessário fazer muito trabalho de laboratório para a preparação dos fósseis. Na verdade, por um mês de escavações equivale cerca de um ano de preparação dos ossos recolhidos. A preparação é todo o processo de limpeza, colagem, reconstituição, moldagem e replicação dos fósseis desde que estes vêm do campo até estarem prontos a serem estudados e expostos.
Escavámos, este Verão, um novo dinossauro saurópode. Ainda vamos no início e resto da escavação terá de ser feita no próximo ano. Parece ser muito promissor.

Que trabalhos têm andado a desenvolver ultimamente?
Pessoalmente eu terminei uma fase importantíssima que é a escrita da minha dissertação de doutoramento. Lá estão muitos novos dados sobre os dinossauros de Portugal.
O Museu tem estado a preparar um espectacular exemplar de dinossauro estegossauro que queremos que seja uma das próximas “jóias da coroa”.
Além disso, posso avançar em primeira-mão, que estamos a preparar duas exposições temporárias no exterior: a primeira na Assembleia da República, em Lisboa de 15 de Setembro a 30 Outubro e a segunda em Vigo, na Galiza, de 20 de Outubro a 15 de Janeiro.


Como definiria o estado actual da Arqueologia e Paleontologia, em Portugal? - E no estrangeiro, faz ideia de como são tratadas estas áreas de investigação?
Espero estar errado, mas eu sinto que, no geral, a Ciência é mal tratada em Portugal. A Paleontologia e Arqueologia são duas áreas em que Portugal se poderia afirmar, pois temos um património extremamente valioso mas que é subestimado, subvalorizado e sub-estudado.
No estrangeiro? A resposta é difícil porque o “estrangeiro” é muito grande e variado. Creio sobretudo que os Estados Unidos e países do norte da Europa estão muito à nossa frente em quase todas as vertentes. Têm mais cientistas e mais bem pagos, melhores condições e sobretudo um interesse muito maior por questões de história natural nos países do norte da Europa. Nesse aspecto, existe muito de cultural, evidente pelo facto da população dar muito mais atenção à riqueza cultural e à história natural do que a população portuguesa. Contudo também oiço os meus colegas europeus a queixarem-se da falta de apoios.


Que tipo de apoios há para este tipo de investigação, no nosso país? - Estes apoios partem em grande parte de universidades e de centros de investigação, certo?
As Universidades e os respectivos centros de investigação são quem fazem a grande parte da investigação em Portugal. A Fundação para a Ciência e Tecnologia acaba por ter um papel essencial ao suportar os projectos e a maioria dos doutorandos do país que estão associados às Universidades e Centros de Investigação. Infelizmente, a investigação científica tem pouca expressão no sector empresarial português, ou mesmo em outras instituições não universitárias.
Para a Paleontologia em concreto, o apoio é diminuto e muitas vezes é apenas residual em comparação a outras Ciências.


Acha suficientes estes apoios dados a estas áreas de investigação?
É notório que não. Estamos sempre com falta de apoios. O Museu da Lourinhã, por exemplo, não tem qualquer tipo de outra ajuda do estado além da Câmara Municipal da Lourinhã. Esse apoio é importante mas apenas permite manter o Museu aberto. O equipamento científico e os estudos são, mantidos com as receitas que o próprio museu gere, ou seja, é o visitante que nos apoia para isso! Com mais algum apoio conseguiríamos fazer maravilhas…


Há muitas destas instituições nacionais a investir neste âmbito? - Quer referir alguns nomes?
Não há muitas. Por não querer obliterar ninguém, apenas me atrevo a avançar com algumas das instituições com quem tenho trabalhado recentemente: Museu da Lourinhã, Centro de Estudos Geológicos, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Academia das Ciências e o recentemente extinto Instituto Geológico e Mineiro.


É fácil ser arqueólogo ou paleontólogo, em Portugal? - Pergunto-lhe isto, não só relativamente aos apoios existentes, mas também em questão de volume de trabalho ou exploração... há muito o que explorar em Portugal, a este nível?
Há tanto a fazer em Portugal! Apenas vamos no começo! Trabalho há muito, o que já não se pode dizer do emprego ou dos apoios que suportem esse trabalho. Não é nada fácil ser-se paleontólogo em Portugal em termos de emprego mas as maravilhas que existem à espera de serem descobertas tornam a profissão aliciante.
É pena é não podermos dar todo o nosso esforço à Ciência por se despender muito tempo a tentar obter fundos ou a tratar de burocracias que poderiam ser feitas por pessoas com formação menos diferenciada. Acabamos por ser cientistas em part-time.

Quais as áreas mais ricas de exploração paleontológica, em Portugal? - E em que zonas do país essa exploração tem mais 'frutos'?
Depende dos frutos que queremos colher… se quisermos trilobites, por exemplo, vamos a Valongo ou Arouca, mas aí jamais se encontrará um dinossauro por se tratar de sedimentos muito mais antigos que os dinossauros. Para esse há que procurar na chamada Bacia Lusitânica que vai do Cabo Mondego ao Cabo Espichel, em que o “epicentro” mais produtivo é a Lourinhã. Como já disse, esse é um dos locais mais produtivos na Europa para dinossauros do Jurássico superior.
A antiga Mina da Guimarota, em Leiria, também é um local chave para fósseis de vertebrados Jurássicos no mundo.

Possuímos muitas relíquias (na verdadeira acepção da palavra) em Portugal? - Dê-me alguns exemplos?
Quanto a paleontologia, possuímos uma série de espécies únicas no mundo, algumas que vieram contribuir para a compreensão da evolução entre o seu grupo de espécies.
Gostaria de destacar talvez a maior descoberta de dinossauros em Portugal, que é o ninho de ovos de dinossauro terópodes de Paimogo, na Lourinhã. Trata-se de um dos maiores e mais antigos ninhos, e com imensos ossos de embrião. Na verdade, tratam-se dos mais antigos embriões de dinossauro no mundo determinados com segurança. A revista norte-americana Discover considerou o achado como um dos 100 mais importantes em todos os domínios da Ciência em 1997, o ano da divulgação do dito ninho.


Tem ideia de quantos projectos de investigação paleontológica se desenvolvem em Portugal, actualmente? - Mais ou menos quantas pessoas estarão envolvidas, ao todo?
Em número de projectos, não sei porque não é linear quando e onde acaba um projecto e começa outro. Em termos de pessoas, existem não mais de uma quinzena de doutorados e doutorandos em Paleontologia em Portugal. É pouco!


No seu entender, e para terminar, o que é que poderia ser melhorado nesta área de investigação, a nível nacional e internacional?
É necessário apostar nas pessoas, criando condições para a manutenção de empregos e progressão académica com facilidades de equipamento, mobilidade, bibliotecas, etc. Necessitamos, com urgência, de condições para mostrar o que se recolhe e estuda, com financiamento decente para os museus. É importante melhorar a legislação sobre a protecção de fósseis para evitar a pilhagem de jazidas e travar o comércio de fósseis.

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