quarta-feira, novembro 13, 2019

Novo esqueleto de dinossauro Miragaia dá novas pistas sobre a evolução dos estegossauros e resolve antigos mistérios na paleontologia



Um esqueleto quase completo de dinossauro descoberto há 60 anos na Atouguia da Baleia, concelho de Peniche, resolve dois mistérios sobre dinossauros estegossauros: Miragaia é um género válido, e uma espécie descoberta muito antes na América do Norte é na realidade mais aparentada a espécies europeias.
Francisco Costa e Octávio Mateus, paleontólogos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e colaboradores do Museu da Lourinhã, descreveram na prestigiosa revista científica PLOS ONE um novo espécime, excepcionalmente completo do dinossauro estegossauro Miragaia longicollum, do Jurássico Superior de Atouguia da Baleia em Peniche, Portugal. 
Este espécime recentemente descrito, propriedade do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), é o estegossauro mais completo descoberto na Europa e o dinossauro mais completo descrito de Portugal. Este é revelador quanto a várias partes do corpo de esqueleto da espécie previamente desconhecidos, especialmente da metade traseira do esqueleto, ajudando a resolver muitos dos seus mistérios científicos. 
Este novo esqueleto foi encontrado em 1959 por Georges Zbyszewski, enquanto realizava levantamentos de geocartografia para os Serviços Geológicos de Portugal, e desde então ficou guardado em reserva no LNEG, até que em 2015 Francisco Costa começou a o estudar como o tópico principal de tese de Mestrado em Paleontologia, sob coordenação de Octávio Mateus. Durante este estudo, este esqueleto com 152 milhões de anos foi completamente preparado no LNEG, onde Francisco Costa beneficiou duma bolsa de investigação financiada pelo LNEG para desenvolver este projecto.
Estegossauros são dos dinossauros mais icónicos, melhor conhecidos pelo género Stegosaurus, mas os seus fósseis são dos mais raros mundialmente, fazendo deste grupo um dos mais misteriosos entre dinossauros. "Em Portugal e Espanha, no entanto, a situação é diferente: estegossauros da pequena subfamília Dacentruriane são alguns dos dinossauros mais comuns e com mais distribuição", afirmou Francisco Costa. Esta subfamília foi descoberta na Inglaterra na década de 1870, com parte do esqueleto traseiro dum dinossauro chamado Dacentrurus armatus. Na década de 1990, a metade frontal dum esqueleto foi encontrada na Lourinhã, em Portugal, que levou em 2009 ao baptizmo da nova espécie de estegossauro Miragaia longicollum. Dado que estes, os espécimes de referência de ambas estas espécies, estão apenas parcialmente completos, com material de possível comparação limitado, isto levou os paleontólogos a regularmente discutirem a validade de M. longicollum como espécie e a classificação dos variados dacentrurinos conhecidos na Europa. Dacentrurus era conhecido pelos membros posteriores e cauda, enquanto que Miragaia era conhecido pelo pescoço, cabeça e membros anteriores. As duas espécies não podiam ser comparadas adequadamente até hoje.
Para resolver esta situação, o espécime recentemente descrito, o dacentrurino mais completo conhecido, tem servido de "Pedra de Rosetta" dado que ele inclui tanto esqueleto frontal como traseiro. Este permitiu confirmar que Miragaia longicollum é uma espécie válida e distinta, baseado em 29 características morfológicas distintas.
Este espécime também permitiu uma descoberta adicional inesperada, resolvendo um enigma com mais de um século de idade sobre um dos estegossauros mais misteriosos: Alcovasaurus longispinus do Jurássico Superior do Wyoming (EUA), conhecido pelos seus espinhos caudais excecionalmente longos. Só um espécime foi encontrado, em 1908, que foi destruído por uma inundação na década de 1920, só sobrevivendo algumas ilustrações dos seus ossos fósseis. A posição deste animal na árvore da vida manteve-se um mistério desde então, até que várias características osteológicas partilhadas com o espécime português, principalmente na cauda, revelaram que esta espécie americana é de origem europeia e com parentesco próximo de Miragaia longicollum. Isto permitiu reclassificar a espécie e com a nova combinação Miragaia longispinus, dados os fortes indícios que ela pertence ao género Miragaia. Isto comprova a presença de um novo grupo de dinossauros na América do Norte. 
O estegossauro de Atouguia da Baleia estará em breve exposto em posição de vida no Museu Geológico do LNEG (Lisboa), como resultado dum projecto do LNEG em parte financiado pelo Parque dos Dinossauros da Lourinhã. O estudo deste espécime e de outros estegossauros europeus continuará na investigação de doutoramento por Francisco Costa, sob coordenação de Octávio Mateus. 
"MG 4863 é um adição de valor inestimável ao registo fóssil português, contribuindo largamente para melhor compreender tanto Dacentrurinae como estegossauros num todo, os paleoecossistemas do Jurássico Superior na Europa e trocas através do proto-Oceano Atlântico Norte com a América do Norte", afirma Octávio Mateus, um dos autores que baptizou e primeiro descreveu o dinossauro Miragaia.
Como é um estegossauro dacentrurino? Os estegossauros são dos animais pré-históricos mais icónicos, facilmente reconhecidos entre outros dinossauros herbívoros quadrúpedes pela fileira dupla de placas e espinhos que os adornam desde a pequena cabeça até à ponta da cauda. Estegossauros dacentrurinos são, mesmo entre estegossauros, particularmente enigmáticos e únicos, evidenciando os espécimes de Miragaia pescoços excepcionalmente compridos, espinhos caudais de lâmina dupla com recorde de comprimento, músculos dos braços particularmente vastos e caudas especializadas com grandes espinhos.

O artigo completo pode ser acedido em Open access aqui:
Costa, F. & Mateus, O. (2019). Dacentrurine stegosaurs (Dinosauria): a new specimen of Miragaia longicollum from the Late Jurassic of Portugal resolves taxonomical validity and shows the occurrence of the clade in North America. PLOS ONE https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0224263

Figura 1. Miragaia MG 4863 de Atouguia da Baleia

Figura 2. Reconstrução esquelética de Miragaia MG 4863, com um homem de 1.8m de altura para escala

Figura 3. Miragaia MG 4863 no início do estudo em setembro de 2015 (esquerda), e em março de 2016 após alguma preparação laboratorial para remoção de sedimento (direita)

Figura 4. Os dois autores do artigo científico, Octávio Mateus (esquerda) e Francisco Costa (direita), trabalhando com o crânio de Miragaia
Figure 5. Francisco Costa a estudar o espécime de referência de Miragaia longicollum no Museu da Lourinhã

Figure 6. Preparação laboratorial de uma vertebra dorsal de Miragaia MG 4863 
Figure 7. Vértebras do pescoço de Miragaia MG 4863, como guardadas em reserva no LNEG no início do estudo 
Figure 8. Vértebras caudais de Miragaia MG 4863

Figure 9. Reconstrução esquelética de Miragaia MG 4863 com alguns dos elementos fósseis mais relevantes


Actualização
Impacto nos meios de comunicação sociais:
https://www.alvorada.pt/novo/index.php/12-sociedade/818-esqueleto-de-dinossauro-de-atouguia-da-baleia-resolve-antigos-misterios-na-paleontologia
https://www.jornaldeleiria.pt/noticia/dinossauro-descoberto-em-peniche-da-novas-pistas-sobre-os-estegossauros
https://blogs.scientificamerican.com/laelaps/old-stegosaur-alters-history-of-armored-dinosaurs
https://observador.pt/2019/11/14/investigadores-portugueses-revelam-importancia-de-dinossauro-guardado-ha-60-anos-o-mais-completo-estegossauro-da-europa/
https://www.noticiasaominuto.com/pais/1358007/paleontologos-reclassificam-dinossauro-com-base-em-especie-portuguesa
https://observador.pt/2019/11/13/paleontologos-reclassificam-dinossauro-americano-com-base-em-especie-portuguesa/
https://sicnoticias.pt/mundo/2019-11-13-Paleontologos-reclassificam-dinossauro-americano-com-base-em-especie-portuguesa
https://www.tsf.pt/portugal/cultura/paleontologos-reclassificam-dinossauro-americano-com-base-em-especie-portuguesa-11511573.html

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