segunda-feira, abril 12, 2010

Conway Morris, Gould e a historia do antes e depois


Este semestre tive a possibilidade de assistir a uma palestra dada pelo uberpaleobiologo Simon Conway Morris. A palestra foi sobre evolucao convergente (tracos analogos em linhas evolutivas distintas) e apesar de ser dirigida a um publico abrangente tinha uma mensagem-bomba. Conway Morris nao se contentava com a ideia de que existem, de facto, adaptacoes equivalentes para as mesmas funcoes. Ja estamos todos fartos de saber que os golfinhos, os ictiossauros e os peixes tem um corpo fusiforme: exemplo de uma evolucao convergente... mas ele foi mais longe. Conway Morris argumenta que nao so existem realmente esses padroes como eles sao INEVITAVEIS. Isto pareceu-me uma ideia magnifica na altura, daquelas em que pensamos: raios, como e' que nunca pensei nisto antes... Para sermos francos vemos convergencia em todo o lado, ele aponto exemplos caricatos: o olho dos cefalopodes e o olho dos vertebrados, a forma de locomocao parassagital da barata e dos mamiferos, comportamento altruistico dos corvos e dos chimpanzes; coisas assim.

'E como que se o olho da lula tivesse que ser inevitavelmente como o olho do carapau, por alguma razao que nao estava ao seu alcance. Acontece, porem, que o Conway Morris caiu numa falacia. A esta falacia chama-se enviesamento da confirmacao. O ser humano e' uma maquina prodigiosa de encontrar padroes em todo o lado. Agrupamos carros em limusines, jipes e camioes; vemos capicuas nas matriculas dos carros... teorizamos tudo, para que o caos que e' a realidade seja mais facil de compreender. Uma experiencia engracada foi feita a pessoas que teriam de escolher um conjunto de meias de uma amostra de meias muito semelhantes. As pessoas escolheram as meias e foi-lhes perguntado porque escolheram aquelas em particular. As pessoas teorizavam todo o tipo de argumentos possiveis, quando na verdade as meias eram todas iguais. Somos bons a arranjar padroes, mas tambem somos optimos a convencer-nos de que achamos padroes. Aposto que a partir do momento em que arranjava o meu grupo de meias tentaria confirmar que aquele grupo de meias era o melhor, tentando arranjar argumentos que sustentassem a minha tese inicial.

Popper ha muito nos ensinou que nao e' por mais um cisne branco que encontremos, que faz com que todos os cisnes sejam brancos. Temos, isso sim, de tentar falsificar a hipotese "todos os cisnes sao brancos". Sao todos brancos ate encontrarmos um negro. Nao e' por encontrarmos mais uma convergencia entre a forma da barbatana do carapau e do golfinho que faz desse padrao INEVITAVEL. Ao acharmos que esse padrao e' inevitavel obliviamos todos os outros que nao o sao... e continuamos ad eternum a encontrar padroes inevitaveis e, ao mesmo tempo ignorando os que nao se adequam ao padrao. Se a forma da barbatana da sardinha e golfinho e' assim tao inevitavel porque 'e que a dos plesiossauros, tartarugas marinhas, leoes-marinhos, morsas e outras nao o sao? Bastou-me arranjar estes exemplos para FALSIFICAR a hipotese de inevitabilidade da convergencia. O canguru e do sapo saltam e isso nao faz com que seja um inevitavel padrao de locomocao terrestre.


Gould foi extremamente perspicaz ao perceber que nao existe DIRECCIONALIDADE na evolucao. Pode-nos parecer ao vermos padroes em muitos sitios mas a triste e dura realidade e' que nao sabemos prever o dia de amanha e se o Simon Conway Morris conseguisse estivesse certo com certeza conseguiria adivinhar com base nos dados de hoje que padroes convergentes veria nas especies amanha. Tudo parece ter logica porque vemos depois, ou usando um termo mais pomposo vemos a historia com o poder do hindsight. Mas a verdade e' que a historia nao pode ser antecipada, ou neste caso, tudo parece fazer sentido depois de vermos como aconteceu. Na minha opiniao esta tendencia para reconstruir a historia so faz sentido para que possamos de forma mais eficaz relaciona-los, e deste modo apercebermo-nos mais facilmente uma sucessao de factos - mas isto nao atribui uma causalidade ou inevitabilidade a sua sucessao . Morris atribui causalidade aos factos porque tem o poder de ver como aconteceu... acontece que isso nao lhe da o poder de prever como vai acontecer. Por outro lado, Morris extingue por completo a aleatoridade como "causa" possivel. Isto vem opor-se radicalmente 'a doutrina ahistorica da evolucao proposta por Gould.

Agora percebo porque e' que todos - credulos na sua tese - estavam a perguntar questoes como: "se e' assim, porque e' que existe biodiversidade?".

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