O Português padre jesuíta João de Loureiro (1717-1791) desempenhou um papel pioneiro no conhecimentos de botânica e paleontologia do Sudeste Asiático (no Reino da Cochinchina), onde viveu durante 46 anos. Embora suas conquistas sejam em grande parte desconhecidas, ele escreveu o primeiro livro abrangente sobre a flora do Sudeste Asiático, relatou o primeiro fóssil daquela região, escreveu o primeiro artigo paleontológica em Portugal e um dicionário de Português-Anamita.
Fotografia do espécime original da planta Argyreia acuta colhida por João de Loureiro (MNHN).
João de Loureiro, nasceu em Lisboa, Portugal, em 1717. A data de nascimento e da morte tem sido tema de discussão, mas Franco (1968) também demonstra que a data de nascimento é de 1717, contra o assinalado como 1710 e 1715 previamente (Braga, 1938; Gomes, 1865).
BRAGA, J.M. (1938). Um missionário Português botânico- Padre João de Loureiro. Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, March, 618-634.
FRANCO, J.A. (1968). Datas de Nascimento e óbito do Pe. João de Loureiro. Separata do Anuário da Sociedade Broteriana. 34: 11-17.~
GOMES, B. (1865). Elogio historico do Padre João de Loureiro. Acad. Ciências de Lisboa.
Transcrevo na íntegra, com permissão do seu autor Carlos Fiolhais, um post do blogue De Rerum Natura dedicado a João de Loureiro.
Esperando abrir o apetite para a obra, publicamos uma ficha do "Dicionário de Portugueses Esquecidos", de Joaquim Fernandes, publicado pela Temas e Debates / Círculo de Leitores, e, na sexta-feira passada, lançado no Porto (na imagem, desenho de uma orquídea asiática que tem o nome de Loureiro):
Loureiro, João de (n. Lisboa, 1710 – m. Lisboa, 1791)
Estudou no Colégio de Santo Antão e vestiu o hábito de jesuíta em 1732. Depois de Goa e de Macau, onde residiu quatro anos, em 1742 foi enviado em missão especial para a Cochinchina, região que corresponde à parte mais meridional do Vietname, a leste do Camboja, ali vivendo durante 36 anos. Como o país era hostil aos europeus e à evangelização, João de Loureiro entrou como matemático e naturalista na corte do rei da Cochinchina.
Para obter licença de residência, o jesuíta fingiu-se médico e, deste modo, pôde exercer a sua acção clandestina junto das comunidades locais. Quando os medicamentos que levara consigo se esgotaram, embrenhou-se no estudo da Botânica, apenas com as informações recolhidas junto das populações, tomando conhecimento de plantas medicinais e testando a sua aplicação em doentes. Obteve com isso as boas graças dos poderes locais, sendo nomeado pelo rei director de estudos físicos e matemáticos da Corte, embora proibindo-o de missionar mas tolerando a propagação do Evangelho fora de lugares públicos.
Conseguiu obter de um capitão de navio inglês, Thomas Riddel, alguns livros de Botânica e, sobretudo, de Lineu, que muito o ajudaram a reconhecer e classificar as espécies florais, procurando seguir a sistemática criada por aquele naturalista. Da sua colectânea, João de Loureiro enviou cerca de 60 amostras de espécies inéditas para a Inglaterra e Suécia, a que seguiu uma nova colecção de 230 plantas.
Em 1779, o naturalista-jesuíta passou da Cochinchina para Cantão, onde permaneceu três anos, regressando a Lisboa com o seu precioso tratado – Flora Cochinchinense - que lhe daria reputação internacional. Antes, fez uma escala de três meses em Moçambique, onde se aplicou ao estudo comparado da flora que coligira durante a longa estadia asiática. O compêndio, publicado em 1790 pela Academia das Ciências de Lisboa, acaba por integrar também espécies oriundas da China, Índia e África Oriental. Nele, João de Loureiro descreve 185 novos géneros e quase 1300 espécies, das quais 564 pertencem ao património natural da China e 697 do Vietname e Sudoeste asiático, sendo outras nativas de países como Zanzibar, Filipinas, Samatra, Madagáscar e da África tropical.
O monumental trabalho de Loureiro provocou reacções nos meios botânicos europeus e os comentários de apreço não se fizeram esperar. Três anos após a edição de Lisboa, o botânico alemão Karl Ludwig Willdenow, um dos primeiros fito-geógrafos, professor na Universidade de Berlim onde teve Humboldt como discípulo, fez publicar uma segunda edição da obra de Loureiro com pequenas alterações e anotações. Também o botânico francês Antoine Laurent de Jussieu testemunhou o seu respeito pela obra do padre João de Loureiro num trabalho publicado nos Anais do Museu de História Natural de Paris, louvando o zelo com que o nosso compatriota empreendeu os seus estudos.
Em 4 de Abril de 1781, a Academia das Ciências de Lisboa elegeu-o sócio e a Royal Society de Londres, de que também era membro, aproveitou alguns trabalhos deste botânico português, alguns deles publicados nos seus clássicos Proceedings. O presidente da Sociedade, Joseph Banks, igualmente botânico e com quem Loureiro se correspondeu, assinalou nas suas cartas a consideração que votava ao amigo a quem instava para se deslocar a Londres. Do mesmo modo, o naturalista o sueco Daniel Solander, companheiro do capitão Cook nas suas viagens, manteve contactos epistolares com o cientista português.
Para além dos estudos impressos restaram diversos manuscritos inéditos, avaliados num estudo de Bernardino António Gomes, traduzidos em 12 grandes volumes escritos em papel da China, contendo informações históricas, dois volumes com desenhos representando minerais, plantas e animais e outros dois com 397 desenhos coloridos de plantas com os seus nomes regionais e científicos, uma "flora iconográfica" da Cochinchina escrita em língua anamita e um dicionário anamita-português.
O padre João Loureiro, um dos mais importantes botânicos europeus do século XVIII, reuniu o consenso internacional como especialista na flora asiática. No entanto, a sua curiosidade alastrou a outras actividades científicas como a matemática, a astronomia e a medicina. Trata-se de uma das figuras de topo da história da ciência feita em português, que exige um estudo bio-bibliográfico minimamente exaustivo que esclareça o destino do seu espólio literário e botânico, integrado por espécies, estampas e manuscritos científicos inéditos. A "Flora Cochinchinensis" do Padre João Loureiro, ainda que datada do ponto de vista científico, pelos seus critérios e classificações, continua a ser admitida como obra de referência na história da etno-botânica e da farmacopeia mundiais. O espírito de observação do jesuíta e cientista reportaram na sua obra maior importantes notícias sobre a cultura e a sociedade que frequentou e conheceu durante mais de três décadas, na segunda metade do século XVIII.
Aguarda-se, assim, que a "Flora Cochinchinensis" seja objecto de um estudo aprofundado e de uma reedição, já que permanece como uma obra raríssima e um dos clássicos portugueses da literatura científica, gerada pelas capacidades de uma das figuras esquecidas no inventário da nossa História das Ciências.
Principais obras:
- Flora Cochinchinensis...., 2 Tomos. Lisboa, Academia Real das Ciências, 1790.
Referências bibliográficas:
- Bernardino António Gomes, "Elogio do Padre João de Loureiro", in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, nº 4 (1). Lisboa, 1868, pp. 5-6.
- Elmer Drew Merrill, "Comentário", in Transactions of the American Philosophical Society (1935), series 2, 24(2), pp. 23-28.
- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 15.
via De Rerum Natura on 12/7/08
Esperando abrir o apetite para a obra, publicamos uma ficha do "Dicionário de Portugueses Esquecidos", de Joaquim Fernandes, publicado pela Temas e Debates / Círculo de Leitores, e, na sexta-feira passada, lançado no Porto (na imagem, desenho de uma orquídea asiática que tem o nome de Loureiro):
Loureiro, João de (n. Lisboa, 1710 – m. Lisboa, 1791)
Estudou no Colégio de Santo Antão e vestiu o hábito de jesuíta em 1732. Depois de Goa e de Macau, onde residiu quatro anos, em 1742 foi enviado em missão especial para a Cochinchina, região que corresponde à parte mais meridional do Vietname, a leste do Camboja, ali vivendo durante 36 anos. Como o país era hostil aos europeus e à evangelização, João de Loureiro entrou como matemático e naturalista na corte do rei da Cochinchina.
Para obter licença de residência, o jesuíta fingiu-se médico e, deste modo, pôde exercer a sua acção clandestina junto das comunidades locais. Quando os medicamentos que levara consigo se esgotaram, embrenhou-se no estudo da Botânica, apenas com as informações recolhidas junto das populações, tomando conhecimento de plantas medicinais e testando a sua aplicação em doentes. Obteve com isso as boas graças dos poderes locais, sendo nomeado pelo rei director de estudos físicos e matemáticos da Corte, embora proibindo-o de missionar mas tolerando a propagação do Evangelho fora de lugares públicos.
Conseguiu obter de um capitão de navio inglês, Thomas Riddel, alguns livros de Botânica e, sobretudo, de Lineu, que muito o ajudaram a reconhecer e classificar as espécies florais, procurando seguir a sistemática criada por aquele naturalista. Da sua colectânea, João de Loureiro enviou cerca de 60 amostras de espécies inéditas para a Inglaterra e Suécia, a que seguiu uma nova colecção de 230 plantas.
Em 1779, o naturalista-jesuíta passou da Cochinchina para Cantão, onde permaneceu três anos, regressando a Lisboa com o seu precioso tratado – Flora Cochinchinense - que lhe daria reputação internacional. Antes, fez uma escala de três meses em Moçambique, onde se aplicou ao estudo comparado da flora que coligira durante a longa estadia asiática. O compêndio, publicado em 1790 pela Academia das Ciências de Lisboa, acaba por integrar também espécies oriundas da China, Índia e África Oriental. Nele, João de Loureiro descreve 185 novos géneros e quase 1300 espécies, das quais 564 pertencem ao património natural da China e 697 do Vietname e Sudoeste asiático, sendo outras nativas de países como Zanzibar, Filipinas, Samatra, Madagáscar e da África tropical.
O monumental trabalho de Loureiro provocou reacções nos meios botânicos europeus e os comentários de apreço não se fizeram esperar. Três anos após a edição de Lisboa, o botânico alemão Karl Ludwig Willdenow, um dos primeiros fito-geógrafos, professor na Universidade de Berlim onde teve Humboldt como discípulo, fez publicar uma segunda edição da obra de Loureiro com pequenas alterações e anotações. Também o botânico francês Antoine Laurent de Jussieu testemunhou o seu respeito pela obra do padre João de Loureiro num trabalho publicado nos Anais do Museu de História Natural de Paris, louvando o zelo com que o nosso compatriota empreendeu os seus estudos.
Em 4 de Abril de 1781, a Academia das Ciências de Lisboa elegeu-o sócio e a Royal Society de Londres, de que também era membro, aproveitou alguns trabalhos deste botânico português, alguns deles publicados nos seus clássicos Proceedings. O presidente da Sociedade, Joseph Banks, igualmente botânico e com quem Loureiro se correspondeu, assinalou nas suas cartas a consideração que votava ao amigo a quem instava para se deslocar a Londres. Do mesmo modo, o naturalista o sueco Daniel Solander, companheiro do capitão Cook nas suas viagens, manteve contactos epistolares com o cientista português.
Para além dos estudos impressos restaram diversos manuscritos inéditos, avaliados num estudo de Bernardino António Gomes, traduzidos em 12 grandes volumes escritos em papel da China, contendo informações históricas, dois volumes com desenhos representando minerais, plantas e animais e outros dois com 397 desenhos coloridos de plantas com os seus nomes regionais e científicos, uma "flora iconográfica" da Cochinchina escrita em língua anamita e um dicionário anamita-português.
O padre João Loureiro, um dos mais importantes botânicos europeus do século XVIII, reuniu o consenso internacional como especialista na flora asiática. No entanto, a sua curiosidade alastrou a outras actividades científicas como a matemática, a astronomia e a medicina. Trata-se de uma das figuras de topo da história da ciência feita em português, que exige um estudo bio-bibliográfico minimamente exaustivo que esclareça o destino do seu espólio literário e botânico, integrado por espécies, estampas e manuscritos científicos inéditos. A "Flora Cochinchinensis" do Padre João Loureiro, ainda que datada do ponto de vista científico, pelos seus critérios e classificações, continua a ser admitida como obra de referência na história da etno-botânica e da farmacopeia mundiais. O espírito de observação do jesuíta e cientista reportaram na sua obra maior importantes notícias sobre a cultura e a sociedade que frequentou e conheceu durante mais de três décadas, na segunda metade do século XVIII.
Aguarda-se, assim, que a "Flora Cochinchinensis" seja objecto de um estudo aprofundado e de uma reedição, já que permanece como uma obra raríssima e um dos clássicos portugueses da literatura científica, gerada pelas capacidades de uma das figuras esquecidas no inventário da nossa História das Ciências.
Principais obras:
- Flora Cochinchinensis...., 2 Tomos. Lisboa, Academia Real das Ciências, 1790.
Referências bibliográficas:
- Bernardino António Gomes, "Elogio do Padre João de Loureiro", in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, nº 4 (1). Lisboa, 1868, pp. 5-6.
- Elmer Drew Merrill, "Comentário", in Transactions of the American Philosophical Society (1935), series 2, 24(2), pp. 23-28.
- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 15.
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