sexta-feira, novembro 28, 2008

Manifesto contra a venda de fósseis


NÃO ao comércio de fósseis, porquê?

1)Os fósseis são propriedade de todos.

Os fósseis são propriedade de todos, e não só de alguns. Será que não ficaríamos indignados com a morte do último panda só porque estava no terreno de um agricultor chinês? Eu ficava! Só pelo facto um panda pisar uma determinada porção de terreno na China, não dá legitimidade a um homem de aniquilar o último exemplar de uma espécie. Da mesma forma que, só porque uma determinada pessoa encontrou afortunadamente um saurópode enquanto arava o terreno, não lhe dá legitimidade para fazer o que quiser desses fósseis! Esses fósseis podem encerrar em si informação única da história natural do nosso planeta, da mesma forma que o último panda.

2)O que distingue um achado arqueológico de um paleontológico?

Há coisas que realmente me deixam estupefacto. O património urbanístico é protegido, o património industrial é protegido, o património etnográfico é protegido, o património natural é protegido, o património cultural é protegido, o património arqueológico é protegido, o património vinícola (!) é protegido… mas, afinal de contas, porque carga de água é que o património paleontológico não o há-de ser??

3)A venda de fósseis será mesmo um crime?

Não tenho valências para averiguar com rigor a validade jurídica do termo: CRIME. Mas olhando para este termo em sentido lato, sob a lógica da sobreposição do direito privado ao direito público então é isso mesmo que acontece. Vender fósseis é um crime! Só é pena que à luz da lei actual vender fósseis não é crime, porque… a lei é omissa… Por outro lado, não é omissa em relação aos bens arqueológicos, aliás, é bem clara: é CRIME vender achados arqueológicos! Ainda está para nascer a primeira pessoa que me consiga explicar a diferença qualitativa – em termos de importância científica – entre uma ponta trabalhada de sílex e um dente de terópode…

Ideias e possíveis soluções:

Primeiro – é necessária uma tomada de consciência generalizada do problema e do que daí resulta. Nomeadamente, a alienação de património natural de valor incalculável. Para uma tomada de consciência é necessário transmitir ao maior número de pessoas a dimensão do problema, para isso existem inúmeros veículos de informação, entre os quais os blogues podem desempenhar um papel cívico muito importante!

Segundo – A denúncia! Não somos os maus da fita, mas se não forem encontrados exemplos concretos um qualquer movimento de indignação perde a sua força. É preciso apontar o dedo, é preciso esfregar na ferida para que todos saibamos do que estamos a falar: a venda de fósseis tem de ser proibida! Não se pode tolerar que com a maior das veleidades qualquer pessoa decida, por livre vontade, anunciar num site da internet a venda de algo que é de todos... e passe incólume.

Terceiro – Dar o exemplo. A indignação só faz sentido se não se for hipócrita e se se for coerente! Isto é, não posso ficar zangado com uma cauda de saurópode estar à venda na internet, e depois andar a comprar dentes de tubarão de Marrocos numa qualquer feira de fósseis.

Quinto – quando um movimento de cidadania estiver formado e realmente consciente para as reais dimensões do problema, é preciso passar à acção. É preciso dar corpo e substância a esta realidade e que, a meu ver – fazendo uso das armas que a sociedade nos proporciona – só se pode efectivar com uma lei escrita no papel.

Sexto – de leis escritas estamos nós fartos! Por isso mesmo a lei não pode ser meramente perfunctória e nominal. Tem de se rever no comportamento real dos cidadãos, adequando-se à nossa realidade. Ou seja, terão de haver mecanismos reguladores atentos, pró-activos – possivelmente constituídos por paleontólogos – que aferem a legalidade de práticas danosas para o bem comum.

Sétimo – Será que todas as espécies de fósseis merecem o mesmo estatuto de interdição à venda? Eu diria que sim, isto porque o património paleontológico é finito no espaço a uma dada formação ou afloramento. Ou seja, não é como as galinhas que se podem reproduzir ad eternum num aviário. E é por isso que as galinhas têm um estatuto diferente do lince ibérico… Mas, da mesma forma, também um Natica da Boca do Chapim não está ao mesmo nível que um crânio de Baryonyx encontrado na mesma região! É por isso que a actividade dos paleontólogos é tão importante a este nível… porque só um estudo aprofundado e sistemático pode substanciar uma hierarquização dos diferentes táxones por importância.

Oitavo – Seria uma medida extrema proibir o coleccionismo. Eu não advogo isso. Contudo, parece-me importante haver um recenseamento e registo dos coleccionadores de fósseis. Para que sempre que hajam descobertas importantes para a ciência estes possam ser reportados aos paleontólogos, para que assim o seu estudo possa ser efectuado. Isto acontece na Holanda por exemplo; a jazida de Winterswijk tem imensos coleccionadores amadores… e é muito por sua culpa que esta jazida tem sido bem estudada. Não se pode desperdiçar o precioso contributo que coleccionadores particulares possam dar, antes pelo contrário, deve ser estimulado. O que não se pode permitir é dar-lhes plenos poderes, colocando em risco informação científica que é de todos! O que não se pode permitir é que esse património seja alienado sem qualquer pejo! Mais uma vez, aqui o papel dos paleontólogos profissionais é central. Uma vez que só estes poderão ter a isenção necessária para considerar uma determinada descoberta possuidora de interesse científico. Portanto, resumindo, uma estreita colaboração entre coleccionadores particulares e museus, parece ser uma solução de compromisso válida.

5 comentários:

Ciência Ao Natural disse...

Caro Ricardo,

Quando arranjar algum tempo, comentarei o teu post; concordo com a maioria do que que afirmas mas existe um outro tanto que estou em desacordo.
Apesar disso, parece-me um post oportuno e interessante para um debate fundamental.

Abraço

Luís Azevedo Rodrigues

João disse...

Caro Ricardo Araujo:

Em linhas gerais penso que estou em acordo consigo, mas acho tambem que existem alguns pontos a polir antes de chegar a uma versão definitiva das suas guidelines.

O ponto 3 e o ponto 8 não têm uma articulação consistente. Sugiro que se foque ai.

Se me permite dar outra sugestão, sugiro que alivie algumas regras e passar para:

Alguns fosseis não podem ser vendidos. Outros podem. Determinados fosseis não podem sair do país senão por emprestimo a museos.
O autor da descoberta tem direito a uma indenisação monetaria se um determinado fossil for considerado um bem publico.
A declaração da posse de fosseis deve ser recompensada de algum modo.

Repare, o meu unico objectivo é que as pessoas não tenham escondido em casa algo que pode ter interesse para a ciencia.

Acho no entanto que esse é um trabalho para quem esta por dentro da paleontologia.

Outra dica: um trabalho conjunto e uma declaração conjunta podiam ter maior impacto social.

bom trabalho

Ricardo Araújo disse...

Olá João,

Acima de tudo estou preocupado, por agora, em que se discuta esta questão. Só com os frutos colhidos da dialéctica é que conseguimos dar passos em frente! De facto, é bem provável que a argumentação possa não estar completamente coerente e reconheço que pode haver pontos que entrem em conflito. Vamos a eles! Que se arregacem mangas e que discutamos!

Em relação à inconsistência entre o ponto 3 e 8, repare-se que: o ponto 3 refere-se à venda de património paleontológico, e o ponto 8 à aquisição do património pela própria mão (i.e. um coleccionador que por sua iniciativa vai aos afloramentos e lá colhe material). Talvez não tenha sido claro nesta formulação... e se calhar estas duas questões deviam ser abordadas em separado.

E ora, isto entra em conflito com o que diz a seguir. Não defendo a venda de património paleontológico em situação alguma! Seja raro, seja comum. Defendo antes, que os fósseis possam ser adquiridos pelos esforços do próprio coleccionador; mas tem de ser vedada qualquer transacção comercial por eles motivada!

E, quando o coleccionador particular encontra então algo valioso para a ciência deverá ser reportado às entidades competentes (sejam elas quais forem).

Concordo que os fósseis não devem poder sair do país a não ser por razões científicas ou museológicas (onde se inclui exposições, por exemplo). Se bem que qualquer fóssil tem um valor universal e não nacional (ou seja, restrito a qualquer barreira política criada pelo Homem). Na verdade, para ser realmente eficaz a lei que alguma vez venha a ser escrita deveria ser aplicada a nível mundial. Mas bom, baby steps... Para já estamos preocupados com o nosso património, mas creio que se deve ter em linha de conta uma união de esforços internacional.

Fará mesmo sentido a ideia da indemnização? Talvez faça. Mas lembro-me da analogia que fiz do “último panda”… será que pelo mero acaso de o panda pisar o terreno do agricultor chinês este terá direitos sobre ele? E terá direito o agricultor que arava o terreno e encontrou uma cauda de saurópode vendê-la? Não, não creio! Em todo o caso há aqui uma distinção importante a fazer, e deveremos analisar os impactos que a retirada de direitos ao agricultor pode motivar. É que isso pode fomentar o encobrimento dos fósseis… ou seja, incorre-se naquilo que menos queremos... Portanto, deverá haver um estímulo (que pode até nem ser financeiro, mas talvez seja o mais prático) que evite o encobrimento dos fósseis e fomente, por outro lado, a divulgação da sua existência. Mas resumindo, só aceito a indemnização enquanto estímulo, mas não enquanto direito inerente à condição de descoberta dos fósseis.

E sim, totalmente de acordo, uma voz sozinha – mesmo que grite muito alto – a poucos quilómetros de distância se faz ouvir. Por isso que se juntem mais vozes e talvez o coro não saia desafinado…

Ricardo

ghg_po disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ghg_po disse...

Pra tanta confusao assim se eu achasse algo queimaria!!!!!!! To nem ai pro ultimo panda se eu nao posso vender