domingo, junho 22, 2008

Clube dos desmembrados

Descobri no outro dia que não são só as serpentes os únicos indivíduos sem membros. Também existem anfíbios (e.g. o género extinto Ophiderpeton e actualmente os Sirenidae) que possuem a mesma condição, e isto surpreendeu-me. Fui investigar mais sobre o caso e fiquei a saber que ao longo da história da vida existiram diversos grupos que perderam ou reduziram à insignificância a função dos membros. Pondo isto noutros termos, a condição “não ter membros” evoluiu independentemente em diversas linhagens de vertebrados… primeiro em anfíbios lepospôndilos do Paleozóico, depois nos microssauros (na verdade não perderam por completo os membros), também em lissanfíbios (e.g. salamandras) e nos Squamata (no qual se incluem as serpentes e lagartos).

Isto levanta inevitavelmente algumas perguntas: porque será vantajoso não ter membros? De que maneira evoluiu esta forma de locomoção tão peculiar? A perda ou redução de membros nos vertebrados está geralmente relacionada com a adpatação a ambientes aquáticos ou subterrâneos… Ambas as hipóteses já foram sugeridas para explicar sob o ponto de vista ecológico a origem das serpentes. Desde alguns crocodilos (mais correctamente Crocodiliformes), e passando pelos mossassauros (répteis do mesmo grupo das serpentes). Contudo, os plesiossauros (o análogo ao monstro de Loch Ness), antes pelo contrário, aumentaram o tamanho relativo dos seus membros… É, ainda assim, espantoso animais com um percurso evolutivo tão diferente acabem por adquirir as mesmas inovações-chave no seu corpo. Existem algumas tendências, não leis, que são válidas para a perda de membros nos Squamata, se não repare-se que: (1) a redução dos membros anteriores (braços) é mais rápida que nos membros posteriores (pernas) - os cetáceos, por exemplo, não são Squamata e a tendência foi precisamente a inversa; (2) a redução dos membros é centrípta (a parte mais distal dos membros desaparece primeiro que a parte proximal, ou dito de outra forma, perde-se primeiro as mãos e depois o braço e ante-braço); (3) para a existência de um membro a cintura escapular ou pélvica tem de existir também (ou seja, os ossos da bacia e - o que corresponde nos humanos - a clavícula e omoplata têm que existir enquanto existirem braços ou pernas); (4) o diâmetro total do corpo tende a diminuir (olhe-se para as serpentes); (5) há uma tendência para o aumento do número de vértebras e repsectivo elongamento do corpo… etc. A isto chama-se evolução convergente! Todos os grupos que perderam por completo os seus membros são regidos por estas leis.

Quando começamos a olhar com atenção para, por exemplo, serpentes primitivas como a Pachyrachis isto começa a fazer mais sentido. A Pachyrachis tem por exemplo vestígios do um sacro (conjunto vértebras características da zona da bacia, intimamente ligadas à locomoção) que as serpentes mais desenvolvidas não têm… E, surpresa das surpresas, tem vestígios de membros… funcionalmente insignificantes. A Pachyrachis entre outros fósseis de serpentes primitivas dá-nos mais um exemplo paleontológico de que a evolução é um facto: as serpentes actuais tiveram um ancestral comum que tinha pernas!

Ironicamente, os ancestrais dos tetrápodes (organismos vertebrados com quatro membros) primitivos ‘esforçaram-se’ tanto por desenvolver membros que lhes permitissem locomoverem-se em terra firme e depois as serpentes fazem-lhes esta desfeita.



Sugestões de leitura:

Caldwell, M. (2003 ) "Without a leg to stand on": on the evolution and development of axial elongation and limblessness in tetrapods. Canadian Journal of Earth Sciences 40: 573–588.

Caldwell, M. & Lee, M. (1997) A snake with legs from the marine Cretaceous of the Middle East. Nature 386: 705-709.

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