O Brontosaurus está de volta!
Paleontólogos de Portugal anunciam que o famoso dinossauro de pescoço longo afinal não era o Apatosaurus
Paleontólogos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade de Oxford do Reino Unido refizeram a árvore da vida de uma família de grandes dinossauros herbívoros, os diplodocídeos, e obtiveram revelações surpreendentes: um dos nomes mais icónicos de dinossauro, o Brontosaurus, está de volta, baptizam um novo género de dinossauro Galeamopus e reclassificam uma espécie portuguesa como Supersaurus.
Brontosaurus, Credit: Davide Bonadonna, Milan, Italy. Creative commons license CC- BY NC SA. |
Embora sendo conhecido como um dos dinossauros mais emblemáticos, o Brontosaurus (o "lagarto trovão") tem sido classificado de forma errada. Desde 1903, que a comunidade científica acreditava que afinal o género Brontosaurus era de facto o Apatosaurus. Agora, um novo estudo exaustivo levado a cabo por paleontólogos Emanuel Tschopp e Octávio Mateus da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Roger Benson de Oxford, no Reino Unido, fornece evidências conclusivas de que Brontosaurus é distinto do Apatosaurus e, como tal, pode agora ser reintegrado como um próprio e único género.
O Brontosaurus é um dos mais carismáticos dinossauros de todos os tempos e que tem inspirado gerações de crianças, graças ao seu tamanho e nome sugestivos. No entanto, como todos os paleontólogos sabem, o Brontosaurus era de facto um equívoco devendo ser correctamente referido como Apatosaurus. Pelo menos, isso é o que os cientistas acreditavam desde 1903, quando foi decidido que as diferenças entre o Brontosaurus excelsus e o Apatosaurus eram tão pequenas que era melhor colocar os dois no mesmo género. Como o Apatosaurus foi classificado primeiro, foi o único que foi usado sob as regras da nomenclatura científica.
Brontosaurus em mural em Nova York desenhado por Neave Parker (foto por Octávio Mateus) |
Na verdade, é claro, o Brontosaurus nunca desapareceu realmente - ele era simplesmente tratado como uma espécie do género Apatosaurus: Apatosaurus excelsus. Assim, enquanto os cientistas pensavam que o género Brontosaurus era o mesmo que o do Apatosaurus, eles sempre concordaram que as espécies excelsus eram diferentes das outras espécies de Apatosaurus. Agora, os paleontólogos Emanuel Tschopp, Octávio Mateus, e Roger Benson vêm dizer que o Brontosaurus sempre foi um género único. Mas vamos começar do princípio.
A história do Brontosaurus é complexa, e é uma das histórias mais intrigantes da ciência. Na década de 1870, no oeste dos Estados Unidos foram descobertas dezenas de novas espécies fósseis, principalmente dinossauros. Equipas de campo escavaram inúmeros novos esqueletos principalmente para os famosos e influentes paleontólogos Marsh e Cope. Durante esse período, a equipa de Marsh descobriu dois enormes esqueletos parciais de dinossauros de pescoço comprido e enviaram-nos para o Peabody Museum de Yale, em New Haven, onde Marsh trabalhava. Marsh descreveu o primeiro desses esqueletos como sendo o Apatosaurus ajax, o "lagarto enganador", segundo o herói grego Ajax. Dois anos depois, ele deu o nome de Brontosaurus excelsus ao segundo esqueleto, o "lagarto trovão nobre". No entanto, como em nenhum dos esqueletos foram encontrados com um crânio, Marsh reconstrui um para Brontosaurus excelsus. O Brontosaurus era um animal enorme, como o Apatosaurus, e como outro dinossauro de pescoço comprido do oeste dos Estados Unidos, o Camarasaurus. Devido a essa semelhança, parecia lógico nessa altura que o Brontosaurus, tivesse um crânio em forma de caixa semelhante ao do Camarasaurus. No entanto, esta reconstrução foi mais tarde considerada errada.
Pouco depois da morte de Marsh, uma equipa do Museu Field de Chicago encontrou um outro esqueleto semelhante ao Apatosaurus ajax e ao Brontosaurus excelsus. Na verdade, este esqueleto era intermédio quanto à sua forma em muitos aspectos. Desta forma, os paleontólogos pensaram que o Brontosaurus excelsus era realmente tão semelhante ao Apatosaurus ajax que seria mais correto tratá-los como duas espécies diferentes do mesmo género. Esta foi a segunda extinção do Brontosaurus - uma extinção científica: a partir dessa altura, o Brontosaurus excelsus ficou conhecido como Apatosaurus excelsus e o nome Brontosaurus não foi mais considerado cientificamente válido.
O golpe final para o Brontosaurus aconteceu na década de 1970, quando investigadores mostraram que o Apatosaurus não estava relacionado com o Camarasaurus, mas sim com Diplodocus. Como o Diplodocus tinha um crânio delgado, semelhante ao crânio de um cavalo, o Apatosaurus e também o Brontosaurus deviam de ter tido um crânio mais parecido com o Diplodocus em vez de com o Camarasaurus - e por isso nasceu o mito popular, mas falso, sobre o Brontosaurus ser um Apatosaurus com uma cabeça errada.
Agora, neste novo estudo publicado na revista científica PeerJ, contendo mais de 300 páginas, os cientistas de Portugal e do Reino Unido relatam três conclusões principais: um novo género semelhante ao Diplodocus, que eles chamam de Galeamopus; o género Supersaurus, originário da América, inclui agora também o género português Dinheirosaurus, proveniente da Lourinhã e em exposição no Museu da Lourinhã; e, mais notavelmente, os cientistas mostraram que o Brontosaurus era distinto do Apatosaurus e depois de tudo isto - o lagarto trovão está de volta!
Como pode um único estudo derrubar mais de um século de pesquisas? "A nossa pesquisa não teria sido possível com este nível de detalhe há 15 ou mais anos atrás", explica Emanuel Tschopp, um suíço que liderou o estudo, durante o seu doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, “na verdade, até muito recentemente, a alegação de que o Brontosaurus era o mesmo que o Apatosaurus com base no conhecimento que tínhamos, era tida como completamente razoável.” Somente com as inúmeras novas descobertas de dinossauros semelhantes ao Apatosaurus e ao Brontosaurus ocorridas nos últimos anos, tornou-se possível realizar uma nova investigação detalhada de quão diferente eles realmente eram.
Em ciência, a distinção entre espécies e géneros não tem regras claras. Será que isso significa que a decisão de ressuscitar o Brontosaurus é apenas uma questão de preferência pessoal? "Nem um pouco", explica Tschopp, "nós tentamos ser o mais objectivos possível sempre que tomamos uma decisão que possa diferenciar espécie de género". Os investigadores aplicaram métodos estatísticos para calcular as diferenças entre outras espécies e géneros de dinossauros diplodocídeos, e foram surpreendidos com o resultado. "As diferenças que encontramos entre o Brontosaurus e o Apatosaurus foram pelo menos tão numerosas como aquelas entre outros géneros intimamente relacionados, e muito mais do que as que normalmente se encontram entre as espécies", explicou Roger Benson, um co-autor da Universidade de Oxford.
Assim sendo, Tschopp e seus colegas concluíram que é agora possível ressuscitar o Brontosaurus como um género distinto do Apatosaurus. "É o exemplo clássico de como a ciência funciona", disse um dos autores, Professor Octávio Mateus, da Universidade Nova e colaborador do Museu da Lourinhã. "Especialmente quando as hipóteses se baseiam em fósseis parciais é possível que novas descobertas derrubem anos de pesquisa."
A ciência é um processo, sempre em movimento na direcção de uma visão mais clara do mundo que nos rodeia. Às vezes, isso também significa que nós temos que recuar um pouco, antes de continuar a avançar. Isso é o que faz com que a curiosidade continue. Por isso, é apropriado dizer-se que o Brontosaurus, que despertou a curiosidade de milhões de pessoas em todo o mundo, agora voltou a fazê-lo novamente.
Citação do artigo: Tschopp, E., Mateus, O. e Benson, R. (2015), A specimen-level phylogenetic analysis and taxonomic revision of Diplodocidae (Dinosauria, Sauropoda). PeerJ 3:e857; DOI 10.7717/peerj.857
Infografia do estudo do Brontosaurus (PeerJ).
License: CC BY 4.0. Designers: StudioAM
Full resolution PDFs of these infographics are available at:http://static.peerj.com/press/previews/2015/04/857_infographic_no_text.pdf and:http://static.peerj.com/press/previews/2015/04/857_infographic_with_text.pdf
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Emanuel Tschopp e Octávio Mateus medindo um fémur de dinossauro saurópode no Museu da Lourinhã. |
Emanuel Tschopp e Octávio Mateus junto do dinossauro saurópode Supersaurus lourinhanensis no Museu da Lourinhã |
Abstract (do artigo):
Os Diplodocidae encontram-se entre os dinossauros saurópodes mais conhecidos. Várias espécies foram descritas no final de 1800 ou no início de 1900 a partir da Formação Morrison da América do Norte. Desde então, numerosos espécimes adicionais foram recuperados nos EUA, Tanzânia, Portugal e Argentina, bem como, possivelmente, em Espanha, Inglaterra, Geórgia, Zimbabwe, e na Ásia. Até o momento, o clado inclui cerca de 12 a 15 espécies nominais, alguns deles com status taxonómico questionável (por exemplo, 'Diplodocus" hayi ou Dyslocosaurus polyonychius) e com idades que vão variando do Jurássico Cretáceo. No entanto, as relações intra-genéricas do icónico, géneros multi-espécies do Apatosaurus e do Diplodocus ainda são pouco conhecidas. A maneira de resolver este problema é através de uma análise filogenética baseada em amostras, o que foi previamente implementado para o Apatosaurus, mas que aqui é realizada pela primeira vez para todo o clado de Diplodocidae. A análise inclui 81 unidades taxonómicas operacionais, das quais 49 pertencem a Diplodocidae. O conjunto de todos os OTUs inclui todos os espécimes com nome anteriormente proposto para pertencerem ao Diplodocidae, ao lado de um conjunto relativamente completo de espécimes já referidos, o que aumenta a quantidade sobreposta de material anatómico. Grupos não pertencentes ao Diplodocidae foram posteriormente selecionados para testar as afinidades dos potenciais espécimes diplodocídeos, em relação aos quais tinha sido subsequentemente sugerido que pertencessem fora do clado. Os espécimes foram classificados para 477 caracteres morfológicos, que representam uma das mais extensas análises filogenéticas de dinossauros saurópodes. Os estados de caracteres foram desenhados e as tabelas foram dadas, no caso de caracteres numéricos. O cladograma resultante recupera o arranjo clássico das relações dos diplodocídeos. Duas abordagens numéricas foram utilizadas para aumentar a capacidade de reprodução na nossa delimitação taxonómica das espécies e dos géneros. Isso resultou na proposta de que algumas espécies anteriormente incluídas em géneros conhecidos, como Apatosaurus e Diplodocus, são genericamente distintas. É importante destacar que o famoso género Brontosaurus é considerado válido pela nossa abordagem quantitativa. Além disso, o Diplodocus hayi representa um género único, que será aqui designado por Galeamopus gen. nov. Por outro lado, estas abordagens numéricas implicam a sinonimização do Dinheirosaurus a partir do Jurássico Superior de Portugal com o género Supersaurus da Formação Morrison. A nossa utilização de uma abordagem por espécimes, ao invés de uma abordagem baseada em espécies, aumenta o conhecimento da variação intraespecífica e intragenérica em diplodocídeos, e o estudo demonstra como a análise filogenética baseada na espécie é uma ferramenta valiosa na taxonomia de saurópode e, potencialmente, na paleontologia e taxonomia como um todo.
Mais imagens: http://goo.gl/gPqfpi
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