domingo, maio 11, 2008

Sobre a natureza sexy da ciência


Parece-me um mito urbano considerar que todos os tópicos que a ciência aborda são igualmente interessantes, ou por outras palavras, despoletam em nós – consumidores de informação científica – o mesmo interesse. A ideia de que diferentes áreas do conhecimento despertam a mesma curiosidade é geralmente justificada pela ignorância: se não estudaste, não sabes quão interessante pode ser. Mas, ao que me posso aperceber, existe uma espécie de intuição que nos leva a preferir um assunto em detrimento de outro. Ou seja, conseguimos antever, quase que supresticiosamente, o quão interessante é uma dada linha de ideias. Posso afirmar que saber mais sobre a origem do universo me desperta um maior interesse do que a metalurgia. E, pelos vistos isto não se passa só comigo: o número de livros de ciência popular sobre cosmologia é esmagadoramente maior do que os livros sobre as propriedades do aço e ligas de carbono. Despoleta em nós inevitavelmente maior atenção! Da mesma forma que, mesmo dentro da minha área, paleontologia dos dinossauros desperta maior interesse que a paleontologia dos artiodáctilos. Ou, a estratigrafia atrai mais investigadores que a mecânica dos solos. Julgo que esta intuição está associada a tantas outras coisas que se passam connosco ao longo da vida: escolher uma pessoa para um dado emprego, escolher que curso tirar. E é nestes instantes cruciais de tomada de decisão que o nosso rumo fica traçado, por exemplo, ao comprar um livro sobre cosmologia em vez de metalurgia.

As razões/constrangimentos sejam eles culturais, históricos ou económicos para que tal discriminação intrínseca aconteça não me debaterei, o que é certo é que é um facto. E esse facto tem repercussões inevitáveis. A quem atribuir um prémio de mérito científico? A quem atribuir os fundos de investigação? À partida diríamos que independentemente das nossas intuições todos os tópicos da ciência têm a mesma legitimidade de serem explorados. Contudo, há áreas que têm um maior impacto directo na população, como a Medicina ou a Tecnologia. E são assim canalizados mais fundos para estas áreas, a Medicina tem mesmo fundos específicos paralelos aos meios tradicionais de financiamento. Mas por que não acontece o mesmo com a investigação em Engenharia Ambiental, que tem também um impacto directo nas populações não a curto, mas longo prazo? Acaba o argumento prático, dá início o argumento temporal, se assim quisermos chamar. Da mesma forma que estas pequenas incongruências se passam com o exemplo citado, muitas outras se poderiam esboçar.

No passado mês estive presente num encontro de biologia evolutiva e, tal como esperávamos, fomos os únicos paleontólogos num encontro dominado por biólogos moleculares. Mas o que há de ‘menos biologia evolutiva’ na paleontologia que exista na biologia molecular? Ambas as áreas deveriam igualmente contribuir para o desenvolvimento desta área maior. A assimetria de interesse numa e noutra área é reflectida pelo número desigual de investigadores. Cabe então às ‘minorias oprimidas’ espalhar a boa nova de quão sexy são as suas ideias, mesmo que estas sejam menos interessantes intrinsecamente. Este é o paradigma actual, e é assim muitas vezes que se consegue uma publicação na Nature. Mesmo que estes resultados pouco tenham de relevante, vamos lá pôr isto em termos sensuais para que os editores da revista apreciem. É a sensualidade não da ciência, mas sim de como as palavras estão escritas que acaba por falar mais alto. Dá ideia que para se fazer ciência tem de se ser um escritor de obras literárias best-sellers. Não desminto que pensar sexy em ciência não arrasta consigo uma postura positiva, nomeadamente o objecto de investigação tende a ser visto a uma escala maior, tende-se a comparar, a analisar implicações. Isso só por si já poderia justificar este tipo de abordagem.

Mas, em suma – e para não divagar mais – intuitivamente, por constrangimentos de variada ordem escolhemos tópicos que são pela sua natureza mais interessantes. Isto gera por si assimetrias na distribuição de oportunidades de investigação, à partida, independentes da intuição. No sentido de os investigadores contrariarem essa tendência ‘vendem o seu peixe’ tornando sexy as suas palavras em vez de insistirem na pertinência real, mesmo que cinzenta ou sem-graça, da investigação. Um vocabulário sexy faz-nos, apesar de tudo, pensar mais amplo.


Texto escrito em 5 de Janeiro de 2008.

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