sexta-feira, maio 02, 2008

Paleontologia avant garde


Hoje em dia existem tecnologias de ponta que estão ao dispor da ciência pura e, cada vez mais, revelando-se nas formas mais inesperadas. Hoje em dia a paleontologia de vertebrados não se resume à descrição anatómica é, pelo contrário, um domínio científico dinâmico e que resulta de vários híbridos com outras ciências aplicadas.

Análise de Elementos Finitos

A análise de elementos finitos é um conjunto de ferramentas matemáticas que inicialmente, na década de 1960, se remetia à resolução de problemas de engenharia mecânica. Apesar do nome esotérico o princípio é simples: dividir um corpo em diversos elementos discretos (i.e. bem indiviualizados). E para que servirá isso? Como foi dito, esta ferramenta, servia inicialmente para a análise de problemas de engenharia mecânica... o que implica forças, tensões e extensões e outros conceitos do género. Num corpo com uma forma complexa é difícil calcular os efeitos de uma força em todos os seus pontos. Por isso, alguém teve a ideia brilhante de não considerar um só corpo complexo e como a força nele se faria sentir em todos os pontos, mas sim muitos corpos simples e ver como a força provocada pelo corpo vizinho lhe afecta. Isto simplificava muito o trabalho dos computadores nos anos 1960... Entretanto as ferramentas informáticas foram-se desenvolvendo - ao ritmo que todos nós sabemos - e em vez de roldanas e engrenagens começou a poder ser processada informação em corpos cada vez mais intrincados. Emily Rayfield, agora na Universidade de Bristol, decidiu usar estas ferramentas não para rodas dentadas e veios hidráulicos, mas sim para fósseis... Para fósseis?? Sim, ao fim e ao cabo um crânio ou uma tíbia também é um corpo, decomonível em muitos outros pequenos corpos simples... E para que quereria ela fazer isso? Rayfield dedicou-se a um ramo chamado: morfologia funcional, ou por outras palavras, a partir de um estrutura inferir uma função. Estrutura: um crânio e uma mandíbula; função: mastigação, por exemplo. Os fémures e as tíbias substituiram assim os veios hidráulicos no software de elementos finitos. Somente em 1998, sai a primeira publicação de uma aplicação da análise em elementos finitos na paleontologia... e logo na revista Nature. É que estas ferramentas têm um enorme potencial, sendo efectivas para rever o decurso da evolução. Melhores estruturas - o côndilo de um osso, por exemplo - tenderão, por força da selecção natural, a ser seleccionadas... Hoje em dia este é, a meu ver, um dos campos mais promissores da paleontologia de vertebrados e da evolução no geral.

Tomografia axial computorizada (TAC)

Bolas... como é que eu consigo ver a estrutura interna do ouvido de um Tyrannosaurus sem ter de o partir? Aha, solução: façamos-lhe um TAC... Na verdade, por uma questão de coerência não se diz "Axial" a não ser que a tomografia seja feita ao longo de um eixo. É tempo de os radiologistas se confundirem com paleontólogos. Aqui, aliás como em todas as grandes ideias, o princípio é simples: o mesmo das radiografias, mas várias (muitas) e a 2D. As tomografias computorizadas também fazem uso dos raios-X. É emitida radiação X e esta atravessa ou não um dado corpo. Aos materiais cuja radiação os atravessa são designados radiotransparentes, o contrário radiopacos. Mas como estava a dizer, são feitas várias radiografias ao longo de um corpo... é como se este estivesse a ser fatiado. Hoje em dia, estes aparelhos permitem resoluções impressionantes, com distâncias entre as "fatias" na ordem das centésimas de milímetro.
Um dos exemplos que considero mais espetaculares de uso destas tecnologias é o de uma tomografia de um ovo contento embriões de um dinossauro ceratopsídeo. Conseguiu-se desta forma apurar ao nível do género a taxonomia dos ossos de embrião sem ter de remover um miligrama de matriz. Outra das aplicações mais bem sucedidas na paleontologia são as chamadas endocasts, ou endoréplicas, há falta de melhor termo em português. Não é mais do que uma réplica do interior de um crânio ou do ouvido interno - áreas geralmente inacessíveis. Paul Sereno na sua publicação sobre o Nigerasaurus usa resultados das tomografias para extrapolar a posição habitual de vários saurópodes, com base na orientação dos de alguns componentes do ouvido interno, intrinsecamente relacionados com o equilíbrio. Ver www.digimorph.org.
Outro exemplo quase aterrorizador da utilização de raios-X é o usado no European Synchrotron Radiation Facility em Grenoble, França, permitindo visualizar pequenos insectos através de âmbar opaco.

SEM - Scanning Electron Microscope

Na paleontologia talvez seja a tecnologia, das já citadas, a mais antiga. Em português: microscopia electrónica de varrimento. Tem sido usada intensivamente na determinação da microstrutura de cascas de ovo fóssil, mas também para a micropaleontologia no geral. Desde foraminíferos a dinoflagelados já todos foram sondados pelos coscuvilheiros electrões destes microscópios.


Filogenia

A filogenia por si não é uma ferrementa recente, Hennig desde a década de 1950 havia esboçado os seus princípios basilares, fazendo tabelas de zeros e uns para insectos coleópetros. Curiosamente só muito mais tarde, cerca do fim da década de 1980 ou ínicio da década de 1990, é que a filogenia e cladismo se assumiram como metodologias não só práticas, mas acima de tudo verdadeiras, que demonstravam que a evolução se rege, em grande medida, pelo "princípio da parsimónia". Mas bom, não é disso que pretendo falar. Actualmente, a filogenia é o resultado híbrido entre um programador informático e um biólogo. Rieppel, Goloboff, Farris são apenas alguns nomes que estruturam o pensamento e, necessariamente, as ferramentas informáticas que hoje são utilizadas trivialmente. Ver www.cladistics.com e corre uma matriz, logo de seguida.


Isótopos estáveis

Enquanto hoje muito se fala nos isótopos radioactivos (não-estáveis, portanto) alguém decidiu procurar os que, por seu turno, mantém as proporções relativamente constantes ao longo do tempo. O tipo de raciocínio que está por detrás desta técnica é mais ou menos o seguinte:
(1) alguns isótopos mantém-se contantes (i.e. não se decompõe noutros elementos), como o O16, independentemente da altura em que foram 'aprisionados' (e.g. na estrutura de uma rocha, ou num organismo). Por outras palavras, a quantidade de O16 que existia numa dada amostra no Cretácico, manteve-se constante até aos nossos dias;
(2) as proporções entre alguns isótopos (e.g. O18/O16) reflecte, por vezes, determinadas circunstâncias na Terra (e.g. ambiente marinho vs. ambiente terrestre);
(3) os seres vivos conseguem - através da alimentação, por exemplo - incorporar na sua estrutura estas proporções isotópicas.
Com base nestas assumpções desencadeiam-se cascatas de raciocínos (ou melhor, cascatas de outras assumpções, que por sua vez se desdobram em tantas outras), que permitem chegar a resultados muito curiosos. Um exemplo interessante é o descortinar as cadeias tróficas entre organismos. Está suficientemente bem demosntrado que quanto 'mais alto' na cadeia trófica se está, maior o rácio O18/O16; ou ainda mais alta a concentração de O18 em relação ao isótopo de oxigénio mais leve O16 (por ser progressivamente excrecionado na 'ascenção' da cadeia trófica). Fizeram-se experiências muito surpreendentes com seres humanos que demonstram precisamente estes resultados. Assim, o que é expectável para um vegetariano? E para um indivíduo totalmente carnívoro? Pois é, as assinaturas isotópicas revelam bastante bem o padrão acima descrito: quanto mais vegetariana a nossa dieta, mais baixo os valores do rácio O18/O16. Agora, porque não aplicar as mesmas metodologias mas para animais já extintos? As coisas complicam-se (e de que maneira...), porque as proporções isotópicas do indivíduo acabam por se confundir - devido à diagénese - com as características da rocha onde este se encontra envolvido. Este também é um ramo da paleontologia de vertebrados que está em franca expansão e que ainda é verdadeiramente embrionário... Mais um híbrido entre um paleontólogo e um geoquímico.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ernst Haeckel em 1960!???

E falar de "cladismo" sem falar de Willi Hennig...

Ricardo Araújo disse...

oops... erro. Já está emendado... se houverem mais gralhas, por favor digam.