terça-feira, maio 06, 2008

Grandes linhas de pensamento na paleontologia de vertebrados: parcimónia


Previno desde já os leitores deste post para o eventual enviesamento da filosofia geral dos textos subsquentes a este. Talvez hajam alguns tópicos que se podem considerar como ‘grandes linhas de pensamento’, mas que, contudo, não abordarei por não ter muita experiência na área (entre os quais se inclui a biostratigrafia e biogeografia). Com o decorrer do tempo irei colocando outros textos online.

Princípio da Parcimónia

Suponhamos o seguinte exemplo: hoje de manhã ao acordar verifiquei que o meu colega que dormia no quarto ao lado, já lá não se encontrava. O que lhe teria acontecido? O meu colega poderia ter sido raptado por extraterrestres durante a noite sem eu o ter notado? Sim, podia. O meu colega podia ter sido arrastado por homens que por sua vez se transformaram em lobos durante a noite e o levaram sem o ter notado? Sim, podia. O meu colega podia ter sido iluminado pela mão de Deus que por sua vez enviou um anjo, que comunicou aos seus arcanjos para levarem a alma e o espírito do meu colega durante a noite sem eu o ter notado? Sim, podia. Ou, o meu colega podia ter acordado mais cedo que eu e ido embora sem que eu o tenha reparado? Sim, podia.

Mas afinal, o que distingue estas diversas hipóteses para além da inverosimelhança dos lobisomens e dos arcanjos? O que nos leva a reconhecer que a última hipótese nos pareça imediatamente mais acertada que as restantes juntas?

Atente-se à primeira hipótese: “Meu colega raptado por extraterrestres sem que eu tenha notado” e, verifiquemos o que seria necessário para que tal fosse possível:

1) Existirem extraterrestres;

2) Que os extraterrestres se lembrassem de raptar o meu colega durante esta noite;

3) Que os extraterrestres tivessem escolhido o meu colega em detrimento de tantos outros milhões de pessoas no mundo;

4) Que os extraterrestres fossem capazes de se intrometer na nossa casa sem que eu tivesse notado;

5) Que os extraterrestres entrassem em casa sem que o meu colega o notasse;

6) Que os extraterrestres tivessem entrado em casa e raptado o meu colega sem que ele gritando me tivesse acordado, dando conta do sucedido…

7) Que tudo isto se desse antes de eu ter acordado. E por aí adiante…

Por outro lado, a última hipótese, a ser verdadeira, necessita de:

1) Que o meu colega tivesse acordado mais cedo do que eu;

2) Que o meu colega tivesse saído mais cedo do que eu, sem que o tenha notado.

A última hipótese é mais parcimoniosa, ou por outro lado, requer menos passos para que o sucedido, de facto, tivesse acontecido assim. Não garante a sua veracidade, porque com base na informação a priori que temos (i.e. que o meu colega não se encontra na cama após eu ter acordado) não poderemos negar que ele tenha sido realmente raptado por extraterrestres. Poderemos, isso sim, dizer que é muito mais simples a última explicação que a primeira.

Mas ora, o que é que este conceito (e este exemplo) meio estapafúrdio nos tem a dizer sobre a paleontologia, melhor ainda, sobre a evolução? É que é muito mais simples, por exemplo, pensar num veado que a partir de uma protuberância no crânio, acabou por desenvolver cornos cada vez mais longos (ou para ser mais correcto, foram seleccionados indivíduos cujos cornos relativamente mais longos, lhes proporcionava uma qualquer vantagem adaptativa); do que um veado que no alto da cabeça desenvolveu uma simbiose com fungos, que por sua vez lhes permitiu criar substrato suficiente para que plantas se desenvolvessem e que essas plantas permitiam uma ossificação mais efectiva levando ao desproporcionado crescimento de protuberâncias, que hoje chamamos cornos. Para além de que, se o último cenário fosse verdade, alguns destes passos intermédios ter-se-iam de verificar no registo fóssil (i.e. um esqueleto fossilizado de um veado com plantas na cabeça, ou qualquer um dos outros).

Um ponto problemático deste conceito é que pelo facto de a explicação ser mais simples, não a torna mais verdadeira… Ou seja, não temos garantias que a Natureza ‘se comporte’ parcimoniosamente. As únicas evidências que temos ao nosso dispor são os restos fossilizados dos organismos que um dia já pisaram o nosso solo, já nadaram pelos nossos mares e já voaram pelos nossos céus. É tudo o que temos, mas, ainda assim não parece estar tão longe da realidade: de facto temos no nosso registo fóssil, fósseis de cervídeos com cornos progressivamente (i.e. com o decorrer dos tempo) mais longos; ou, temos ancestrais dos cetáceos (artiodáctilos primitivos; cetáceos são as baleias por exemplo) com a abertura nasal cada vez mais posteriores - ou, cada vez mais para trás em relação ao crânio. Há outros conceitos, que poderiam aqui também ser explorados como a evolução direccional, ou os constrangimentos anatómicos/fisiológicos/filogenéticos/genéticos, mas isso fica para outras núpcias. Espero que com estes exemplos me faça compreender... Princípio da Parcimónia é abundantemente, trivialmente, exaustivamente usado para se criarem as chamadas hipóteses filogenéticas entre diversas espécies de animais. A parcimónia é a assumpção principal do cladismo, que pretende explicitar o percurso evolutivo dos seres vivos, graficamente ilustrados pelas árvores filogenéticas (ou árvores da vida se quiserem, ver figura).

2 comentários:

Geopor disse...

Este artigo foi seleccionado para o Geopor-News.

Ricardo Araújo disse...

Caro administrador da Geopor-News,

É com agrado que ficámos a saber que este artigo foi seleccionado nesse âmbito. É do nosso interesse continuar a escrever artigos cada vez melhores e que cheguem cada vez mais às pessoas... a ciência não pode ser para uma elite, mas para todos!

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