segunda-feira, setembro 24, 2007

Expedição à Mongólia







RELATOS DE UMA EXPEDIÇÃO INTERNACIONAL EM BUSCA DE DINOSSAUROS NO DESERTO DE GOBI (MONGÓLIA)

Octávio Mateus
Paleontólogo
Universidade Nova de Lisboa e Museu da Lourinhã





Fase I da expedição: em Shine Us Khuduk, Deserto de Gobi (sudeste da Mongólia)

Era o 3º dia de escavação, a 23 de Agosto de 2007, e os grãos de areia bombardeava-nos a 90 km/h como micro-projécteis, acertando na pele exposta como se de pequenas agulhas se tratassem. Enfrentávamos uma forte tempestade de areia, que tornava mais difícil a concretização do nosso principal objectivo: escavar dinossauros encontrados pela nossa expedição paleontológica.

Apesar da tempestade de areia que durou todo o dia, a escavação dos dinossauros continuou, uma vez que tínhamos de aproveitar todos os momentos de uma expedição científica de apenas 34 dias na Mongólia.
O Deserto de Gobi está longe de ser um deserto quente. Neste momento estamos na estação “confortável”, que se estende de Julho a Setembro. A partir de Outubro a temperatura desce drasticamente e o Inverno castiga com temperaturas médias de 20 graus negativos caindo, ocasionalmente, até aos 50º negativos. Na nossa expedição, em momentos e locais diferentes, registámos temperaturas extremas de 52° centígrados, a nível do solo, e temperaturas abaixo de zero, durante a noite.

O Deserto de Gobi é um dos maiores do mundo e engloba parte da Mongólia e da China. Apesar do seu epíteto e de ser um lugar inóspito, avistam-se ao longe manadas de cavalos selvagens, uma ou outra manada de camelos ou, mais raramente, gazelas à procura dos arbustos ou outra vegetação que resista ao vento cortante e às temperaturas extremas.
A Mongólia tem uma densidade populacional de 1,7 habitantes/km², o que é o mesmo que o concelho de Lisboa ter apenas 144 habitantes. É um país de gente forte e resistente, tradicionalmente nómadas, de tez escura, faces bem asiáticas, de olhos rasgados, cuja língua é remotamente semelhante ao turco. A presença soviética, entre 1924 e 1990, teve uma profunda influência no país, como nos testemunha a escrita cirílica (o alfabeto russo), o caminho de ferro que liga Moscovo a Pequim, e até mesmo o nome da capital, Ulan Bator, imposto pelos soviéticos e que significa, literalmente, “herói vermelho”.

A nossa expedição chama-se “Korea-Mongolia International Dinosaur Project” e integra uma equipa multicultural, composta por cientistas coreanos, canadianos, mongóis … e um português como parte do contingente norte-americano! (Tanto quanto sei, serei o primeiro português a escavar dinossauros no deserto de Gobi e devo-o à cooperação de longa data que mantenho com o prestigiado paleontólogo Louis Jacobs, da universidade SMU, sediada no Texas). São 13 cientistas doutorados, especializados em paleontologia ou sedimentologia, incluindo alguns dos mais proeminentes paleontólogos de dinossauros, como o canadiano Philip Currie, da Universidade de Alberta. Além disso, havia ainda um grupo de guias e auxiliares mongóis que tratavam de toda a logística e condução.
A expedição, financiada pela cidade sul-coreana de Hwaseong, tinha dois principais objectivos: conhecer mais dados sobre o período Cretácico (144 a 65 milhões de anos) e descobrir novos esqueletos de dinossauros. Fomos bem sucedidos!


Cada dia era uma aventura surpreendente, sempre com novas descobertas ou peripécias imprevistas. À noite, reunidos na tenda maior, de tipo militar, mostrávamos e catalogávamos as descobertas do dia, identificávamos os ossos mais intrigantes ou discutíamos questões científicas que se iam levantando e que nos assolavam.
Pessoalmente, eu tinha dois grandes objectivos: aprender mais sobre os dinossauros da Mongólia e descobrir novos esqueletos, nomeadamente, de dinossauros saurópodes e de terizinossauros. Os primeiros são os clássicos gigantes de pescoço comprido, que podiam atingir 30 toneladas de peso e aos quais tenho dedicado parte da minha carreira. Os saurópodes são pouco conhecidos na Mongólia, logo, qualquer nova descoberta tinha o potencial de vir a ser importante. Quanto aos outros, os terizinossauros, tenho uma curiosidade natural sobre eles, pois são um dos tipos de dinossauros mais estranhos que jamais existiram. Embora dentro do grupo dos dinossauros carnívoros bípedes (os terópodes), tal como o Tyrannosaurus rex ou o Allosaurus, estes raros terizinossauros são invulgarmente enigmáticos e bizarros. Numa abordagem completamente não científica, alguém poderia descrevê-los como um cruzamento entre um T.rex, um urso e um peru, com enormes garras nas patas dianteiras. Quando o primeiro terizinossauro foi descoberto, os ossos eram tão estranhos que os paleontólogos julgaram tratar-se de uma tartaruga gigante. A forma dos dentes e do crânio leva alguns paleontólogos a pensar que seriam herbívoros, enquanto outros sugerem que as enormes garras, que atingiam quase um metro de comprimento nalgumas espécies, serviam para desfazer termiteiras, e interpretam este animal como um insectívoro. Outros, ainda, crêem que os terizinossauros se alimentavam de peixe ao longo dos rios e lagos. A verdade é que sabemos muito pouco sobre estes estranhos animais. Conhece-se a morfologia de alguns ossos, a idade geológica em que viveram, mas desconhece-se o habitat, alimentação, comportamento, reprodução e muito mais. Por isso, qualquer novo achado poderá, potencialmente, trazer alguma luz sobre os terizinossauros.
Quando o paleontólogo coreano, e principal organizador da expedição, Yuong-Nam Lee trouxe um fémur (um osso da coxa), descoberto naquele dia, ninguém conseguiu compreender de que dinossauro se tratava. A morfologia era diferente de tudo aquilo a que estávamos habituados, o que me levou a pensar que poderia ser de um tão desejado terizinossauro. Assim era. E parece ter pormenores inteiramente novos, pelo que pode ser de uma nova espécie, desconhecida até à data, ou de uma espécie já descrita cujo fémur não conhecíamos. Esta abordagem verificou-se eficaz: cada vez que encontrávamos um osso de dinossauro terópode diferente daquilo a que estávamos habituados, verificávamos tratar-se, em alguns dos casos, de terizinossauros. Eu descobri partes do crânio, vértebras e ossos dos membros. O sedimentólogo canadiano David Eberth descobriu uma jazida com parte de um esqueleto. Recolhemos alguns dos ossos, incluindo partes da enorme garra, mas outros ficaram no terreno porque não tivemos tempo para escavar tudo. Voltaremos para o ano. Entretanto temos achados suficientes para contribuirmos para o conhecimento destes animais e para fazermos bons estudos científicos. Eu estava contente: novos ossos e partes de esqueletos de terizinossauros, saurópodes e de muitos outros dinossauros. A Mongólia é um El Dorado da Paleontologia.

Pessoalmente, gosto de estudar dinossauros saurópodes. Os ossos e pegadas mostram que estes enormes animais de pescoço comprido estavam longe de serem lentos e pachorrentos. O seu tamanho levou-os a evoluir para um gigantismo que deixa os paleontólogos perplexos. Como se alimentavam? Como se mexiam? Como se reproduziam? Como evoluíram? São questões das quais temos apenas alguns vislumbres de respostas. Fazer paleontologia e tentar aprender sobre épocas passadas é como tentar completar um enorme puzzle com apenas algumas peças. Cada osso e cada dinossauro é uma nova pista para a resolução deste enigma gigantesco.
Na minha carreira tenho estudado saurópodes de Portugal, da Alemanha, dos Estados Unidos, do Laos, de Angola e agora da Mongólia. Mesmo onde os fósseis destes animais são raros (ou mesmo desconhecidos), eu acabei por descobri-los ou estar envolvido no seu estudo. Parece que os saurópodes me perseguem, assim como eu os persigo a eles. Por isso, quando o promissor paleontólogo japonês Yoshitsugu Kobayashi, da Universidade de Hokkaido, descobriu um dinossauro saurópode, eu não poderia ficar mais radiante. Sobretudo porque os saurópodes são quase desconhecidos naquela parte do Deserto de Gobi. Por serem tão grandes, é extremamente raro fossilizarem esqueletos completos, logo os paleontólogos ficam contentes quando exumam algumas vértebras e ossos longos. Mas à medida que os dias passavam e a escavação prosseguia, mais e mais ossos viam a luz do dia, após terem permanecido enterrados durante cerca de 100 milhões de anos. Acabámos por recolher um dos esqueletos mais completos de um saurópode da Mongólia, inclusivamente com ossos do crânio, o que ainda é mais raro. Os ossos relembram uma espécie que os paleontólogos americanos recolheram recentemente e denominaram Erketu ellisoni, mas alguns pormenores sugerem que se poderá tratar de uma nova espécie. É decerto prematuro tirar conclusões e muito mais trabalho se avista à nossa frente.

Fase II da expedição: de Shine Us Khuduk até Khermeen Tsav (oeste de Gobi)




Ao mudarmos de local de acampamento, do leste de Gobi para o oeste, aventurámo-nos novamente pelo deserto, onde peripécias e imprevistos podem ocorrer a qualquer momento. A nossa caravana de seis viaturas fez uma travessia lenta, de seis dias, pois sofriam constantes avarias e tinham frequentemente pneus furados. Dois lentos e antigos camiões soviéticos traziam todo o equipamento e víveres necessários às duras condições no deserto: várias toneladas de água em garrafas de litro e meio, um pequeno atrelado com água para uso não alimentar, comida para toda a equipa, tendas, gerador, e até um frigorífico mantinha as provisões frescas necessárias durante todo um mês.
As raras estradas existentes no deserto são, na verdade, caminhos e trilhos de terra, mas o seu uso contínuo dá-lhes o epíteto de “estrada nacional”, com direito a numeração e a figurar na maioria dos mapas da Mongólia, até mesmo na escada de 1:2.000.000. Alguns caminhos agrícolas de terra batida, em Portugal, são tão bons ou melhores do que as estradas no deserto de Gobi, às quais faltam sinais de trânsito, limites ou asfalto.
Khermeen Tsav, o segundo local de acampamento e escavações, é o local mais remoto onde eu já alguma vez estive, mas com uma das mais espectaculares paisagens que podemos imaginar. Magníficos canyons de cor avermelhada estendem-se a perder de vista e todos aqueles afloramentos de rocha são um convite à descoberta de dinossauros. A 54 quilómetros de distância encontrava-se o primeiro ser humano, que habitava numa ger, uma tenda circular tradicional, e a primeira povoação era uma pequena cidade que estava a cerca de 150 km. A comunicação com o mundo exterior fazia-se através de emissores-satélite: por um telefone que funcionava de forma muito irregular e através da Internet, que nos permitia trocar uns parcos megabytes por semana.

Os achados acumulavam-se todos os dias. Eu descobri uma bone-bed, termo usado pelos paleontólogos para designar uma camada repleta de ossos, com pelo menos 8 indivíduos de anquilossauros, um dinossauro herbívoro couraçado, e de onde recolhemos três crânios completos. A grande quantidade de ossos fez-nos deixar muitos deles no terreno.
Não se descobriram apenas ossos nesta viagem: identificámos dezenas de pegadas e recolhemos ovos, cascas de ovo e vários ninhos, entre os quais um ninho de dinossauro carnívoro Oviraptor, com ossos de embrião, achado pelo nosso colega japonês Kobayashi. Encontrámos e recolhemos, ainda, ossos de Tarbosaurus (o “primo asiático” do Tyrannosaurus rex), anquilossauros, protoceratops, ornitomimossauros (incluindo um bebé), e muitos outros achados que requerem agora um estudo atento.
No regresso a Ulan Bator demorámos três dias de penosa viagem. Volto a Portugal com fantásticos projectos científicos e uma experiência magnífica para contar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Depois de ler este post, só me ocorre uma coisa em mente:

AH MEU GANDA SORTUDO!!...

Bem dizia eu ao Professor Artur que ainda iam encontrar Therizinosaurideios! E pela descrição parece ser o Therizinosaurus cheloniformis, o próprio!
Fiquei a questionar-me se teriam encontrado também material de Deinocheirus mirificus, dado ser, numa opinião pessoal, o maior mistério da evolução do dinossáurios.
Penso que em breve irei ao museu da Lourinhã, e quano o fizer, acredite professor Octávio, não o deixarei em paz até me contar todos os promenores da expedição.

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