quarta-feira, setembro 06, 2006

PALINOLOGIA

PALINOLOGIA

por Isabel Mateus
Membro-fundador do Museu da Lourinhã
Texto publicado na Revista Cais em 2003


O que é a palinologia
A Palinologia é o estudo dos pólenes e esporos. É, também, o estudo de todo o conteúdo de origem orgânica observável ao microscópio após tratamento químico. A este conteúdo dá-se o nome de palinomorfos (restos de animais e plantas microscópicos como fragmentos de tecido animal e vegetal, algas planctónicas, esporos e pólenes).
É uma ciência biológica, do ramo da botânica, descritiva, de aplicações interdisciplinares como a Agronomia, Entomologia, Arqueologia, Biogeografia, Climatologia, Botânica, Geologia, Paleontologia, Medicina e Estudos forenses.
É uma ciência jovem que aparece com a invenção das lentes de aumento e do microscópio. Em 1702, Wilson, um construtor de microscópios, descreve a Farinha de Flores de Plantas observada ao microscópio.
E é com o desenvolvimento das explorações petrolíferas que a palinologia atinge o seu auge sendo essencial no conhecimento da génese dos hidrocarbonatos.
Vamos apenas referir alguns exemplos da interdisciplinaridade que se estabeleceu entre a palinologia e outras ciências.

A palinologia na arqueologia
Na arqueologia, a palinologia começou por ser utilizada, antes do uso do rádio-carbono, na datação dos sítios arqueológicos e reconstituição do meio ambiente. É um auxiliar precioso para conhecimento dos hábitos agrícolas, comerciais, alimentares e religiosos, principalmente quando não há dados escritos.
Em 1975, Leroi-Gourhan estudava a gruta de Shanidar, no Iraque. O resultado da análise polínica dos sedimentos que cobriam directamente o túmulo de homens de Neanderthal, demonstraram que foram utilizadas flores durante o enterramento. Estas flores eram provenientes das terras altas não existindo no restante contexto. Quererá isto dizer que o Homem de Neanderthal tinha um ritual religioso em que depositava flores no túmulo dos seus mortos, tal como se faz ainda hoje?

A palinologia na medicina forense
O primeiro uso da palinologia como ferramenta forense ocorreu em 1959, na descoberta de um crime praticado na Áustria. Não se conseguia encontrar o corpo de um homem desaparecido em Viena, supostamente assassinado. Um par de sapatos enlameados pertencentes a um suspeito, foram examinados pelo palinólogo Wilhelm Klauss que encontrou, na lama, pólenes de várias plantas e, entre eles, os de uma nogueira fóssil que se extinguiu há cerca de 20 milhões de anos. Com estas características apenas se encontrava um terreno bem circunscrito a cerca de 20 km a norte de Viena. Confrontado com estes resultados e pressionado pela polícia, o suspeito confessou o crime e levou os investigadores ao local onde tinha escondido o corpo.
Actualmente, a palinologia é um instrumento utilizado em diversos países para a resolução de crimes de morte, de droga e de falsificação de obras de arte.

A palinologia na paleontologia
A palinologia permite-nos definir o meio ambiente ou o período geológico em que foi feita a sedimentação. Reforça o conhecimento da evolução das espécies botânicas, permite-nos a reconstituição da flora, deduzir qual o clima e a paisagem do sítio estudado e, assim, saber o que comiam os dinossauros.
A palinologia é usada para definição do meio e paleoambiente. Uma microflora unicamente composta por palinomorfos de origem marinha informa-nos que os sedimentos foram depositados no mar. No caso oposto, em que apenas se observam detritos vegetais, pólenes e esporos, pode-se afirmar que a sedimentação se fez em meio continental, lacustre, ou seja, de água doce. Se a associação palinológica é mista isso quer dizer que os microfósseis são de origens diferentes e a sedimentação foi feita em águas salobras ou águas marinhas costeiras, sob influência continental, como se dá em casos de entrada de água dos rios no mar.
A identificação de palinomorfos, a sua contagem estatística e repartição por grupos, permitem a reconstituição da flora e deduzir qual podia ser o clima e a paisagem do sítio.
Certos palinomorfos cuja existência foi curta, são marcadores estratigráficos. A sua presença nos sedimentos permite datá-los e traçar correlações com outras bacias sedimentares mesmo que distantes umas das outras.
Exemplifiquemos a utilização da palinologia como ferramenta da paleontologia, no corte geológico de Paimogo, o sítio onde foram descobertos os ovos de dinossauro de terópode.
Os palinomorfos formam um conjunto relativamente homogéneo não havendo grande diversidade de plantas. A ausência de organismos de origem marinha, como os quistos de dinoflagelados, indica-nos que o meio sedimentar era lacustre (de água doce) ao abrigo de qualquer influência marinha.
A ausência de pólenes de angiospérmicas permite-nos afirmar que os sedimentos foram depositados antes do Cretácico. Os dados estatísticos e identificação dos palinomorfos são compatíveis com outros dados geológicos e paleontológicos, confirmando-se a deposição dos sedimentos que continham estes palinomorfos como tendo sido feita no Jurássico Superior.
Os esporos de fetos arbóreos dominam todo o conjunto, traduzindo um clima quente e abundância de água.
O número de pólenes é relativamente baixo. Entre estes destaca-se uma grande percentagem de pólenes Corollina pertencentes a uma conífera arcaica, indicativa de clima quente.
O coberto vegetal era feito principalmente por fetos arbóreos (Cyatheaceae, Gleicheniaceae, Lycopodiacea, Matoniaceae, Osmundaceae, Schizaeaceae) acompanhado pelo coberto rasteiro de licopódio semelhante à actual selaginela. A menor abundância de pólenes traduz uma maior escassez das gimnospérmicas, que eram representadas principalmente por coníferas semelhantes às actuais araucárias, pinheiros e cedros, sendo, em alguns níveis, notória a abundância de Brachyphyllum). Os ginkgos e as cicas eram pouco frequentes sendo estas representadas, principalmente, pela Cyca williamsonia.
Era esta a vegetação que os dinossauros herbívoros comiam no Jurássico Superior da Lourinhã. Não comiam maçãs nem amoras silvestres porque não havia angiospérmicas, as plantas que encerram as sementes em frutos carnudos.

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